A coluna Diversificando entra na terceira temporada. Nas duas últimas temporadas minha intenção foi fomentar o aprendizado e as desconstruções quanto aos temas centrais de Diversidade e Inclusão, fazendo com que esse espaço fosse acolhedor para suas dúvidas, e para sensibilizar a todos e todas quanto a urgência da transformação do turismo. Nessa temporada entrevistarei profissionais do turismo que já estão fazendo parte da transformação que queremos ver nesse mundo.

No primeiro episódio entrevistei Guilherme Soares Dias, um jornalista que se apaixonou pelo turismo e eu gostaria que o conhecessem aqui.

Guilherme é responsável pela criação do Guia Negro, plataforma de turismo e representatividade; idealizador da Caminhada São Paulo Negra; autor do livro Dias pela Estrada, apresentador do “Podcast Afroturismo” – o movimento e do Guia Negro Entrevista, programa no Youtube do Catraca Livre. E além de tudo isso ele também escreve roteiros de afroturismo e faz consultoria de diversidade para empresas.

Este campo-grandense de origem humilde, sempre foi apaixonado por viagens, e tinha desde muito jovem, o sonho de conhecer o mundo. E foi durante um longo “mochilão” por vários destinos mundo a fora que percebeu que ser um turista negro tinha implicações muito incomodativas e recebeu o chamado para melhorar esse cenário.

Ao voltar para o Brasil ele publicou um texto com o título “Como é ser um corpo negro viajando pelo mundo” o qual viralizou, e a grande repercussão o fez entender como tinham poucas, ou quase nenhuma, pessoa negra falando sobre viagens no Brasil.

A partir daí começou a criar conteúdo e tours que conectavam a cultura negra com pontos turísticos (ou nem tão turísticos) brasileiros, tornando-se um dos precursores do afroturismo no Brasil.

Afroturismo é uma vertente do turismo que destaca a cultura negra dos locais visitados, colocando como prioridade fornecedores negros nessa cadeia produtiva e tomando ações afirmativas para deixar viajantes negros mais confortáveis, acolhidos e seguros ao viajar. Ele é necessário devido a invisibilidade da cultura e das pessoas negras no setor turístico.

Guilherme disse que “no começo dos anos 2000 o afroturismo era chamado de turismo étnico, esse nome foi ressignificado recentemente para exaltar a cultura negra brasileira, já que o turismo étnico pode ser o indígena, branco e de várias outras etnias”. No portal do Brasilturis Jornal eu conto mais detalhes sobre o tema no primeiro episódio da segunda temporada do Diversificando, ao lado da Bia Moremi da Brafrika e do Hubber Clemente do Papo de Hoteleiro.

A primeira empresa fundada pelo Guilherme ao lado da Luciana Paulino, chamava-se Black Bird Viagem, e seu primeiro produto foi a Caminhada São Paulo Negra, um tour que conta a história da cultura negra em pontos importantes de São Paulo. Esse passeio é uma mistura de aula, letramento racial, com uma experiência turística. O produto teve muito sucesso e adesão dos turistas. Por isso, Guilherme expandiu e desenhou outras rotas e experiências no Guia Negro que, além de São Paulo, há roteiros em Salvador e propostas de parcerias em outros lugares como Olinda, Rio de Janeiro e São Luis.

Vale ressaltar que, além da experiência turística, a iniciativa quer mostrar uma outra versão da história da população negra, destacando seus heróis e heroínas. Histórias que muitas vezes são contadas de forma racista nas escolas.

O Guia Negro também se preocupa em fortalecer empreendedores(as) negros(as) tendo toda sua cadeia de fornecedores com essa representatividade, o que estimula o Black Money. Este termo refere-se a tentativa de combater as desigualdades focando no poder de contratação e compras em empreendedores(as) sub-representados.


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Isso não é algo novo e exclusivo da comunidade negra, segundo Guilherme “outras comunidades fazem e sempre fizeram seu dinheiro circular dentro da sua comunidade, como o Pink Money na comunidade LGBTQIA+. Tem uma pesquisa nos Estados Unidos que mostrou que dentro da comunidade negra norte americana o dinheiro circula seis vezes antes de sair da comunidade, já dentro da comunidade judaica o dinheiro circula 40 vezes antes de sair. Aqui no Brasil esse movimento ainda está engatinhando.”

Ele ainda comenta que quando não é possível contratar um(a) empreendedor(a) negro(a) para alguma demanda, ele se preocupa em contratar algum(a) que seja representante de outro grupo minorizado, como LGBTQIA+, pessoas com deficiência, mulheres, etc.

Outro beneficio desse tipo de turismo de experiência, é que ele leva turistas para fora do circuito convencional, distribuindo assim o investimento para outras regiões. Um exemplo citado pelo executivo é a Sociedade Protetora do Desvalidos em Salvador (BA), que é a primeira associação civil negra do Brasil e uma das mais antigas das Américas, a qual desenvolveu o primeiro sistema de crédito para assistir os sócios e seus familiares no Brasil. Foi um projeto de sobrevivência onde pessoas negras se associavam para depositar dinheiro num fundo destinado para comprar de forma coletiva a alforria de pessoas escravizadas.

Todo este projeto de Guilherme Soares abre caminhos para que a população negra brasileira se sinta à vontade para viajar pelo Brasil, lembrando que essas pessoas representam 56% da população brasileira e, apesar do seu poder de compra, não as vemos viajando, pois não se sentem representados(as) e muitos(as) terem o receio que sofrerem racismo durante as viagens, o que infelizmente ainda acontece com frequência.

“Eu fico muito feliz ao saber que transformo a experiência de viagem de algumas pessoas. Nós podemos ser o nosso próprio algoritmo, indo atrás e compartilhando a informação, e fazendo com que ela chegue a mais gente, essa é uma forma de mudar também”, afirma Guilherme. E você está fazendo sua parte? Bora mudar o mundo!