Sonho. A descrição em palavra e dose única de Roberto Maksoud a respeito do Maksoud Plaza levou dez segundos contados para ser proferida por ligação e chegou em tom de desabafo. Afinal, foram pouco mais de 20 anos de trabalho no hotel, idealizado por seu pai, Henry Maksoud, em meados dos anos 1970, e inaugurado em dezembro de 1979 após dois anos de muitas obras, cansaço, noites em claro, pressão psicológica e até xingamentos aos envolvidos. O objetivo à época, no entanto, era até simples: receber clientes e autoridades relacionadas à Hidroservice, companhia de engenharia de Henry e que deteve, até 27 de dezembro de 2021, controle sobre a propriedade.

“Um sonho. É assim que eu resumiria o Maksoud Plaza para mim ao longo dos 42 anos de história que ele deixa não só à São Paulo, mas ao mundo”, diz Roberto em entrevista ao Brasilturis Jornal. O sócio-fundador do empreendimento hoteleiro — por motivos óbvios — aparentava chateação com a notícia do fechamento. Mais do que isso, a surpresa ao ler as primeiras notícias foi o sentimento mais cabível ao ser perguntado a respeito. Mas, longe da temática melancólica que esse tipo de situação proporciona, temos um empresário, ou melhor, “hoteleiro raiz” — como foi descrito por alguns dos entrevistados pela reportagem — nitidamente orgulhoso do trabalho que fez.

“É difícil assimilar o que aconteceu, mas o importante é que deixo um legado de um novo conceito estabelecido à hospitalidade. Fiz, junto com meu pai e outros integrantes dessa rica história, um dos melhores hotéis do mundo. Sou totalmente realizado”, reitera. Em meio a trajetória como diretor geral do Maksoud Plaza, Roberto passou por momentos gloriosos e viu de perto o que muitos de nós apenas vislumbramos por intermédio de um bom contador de causos.

Roberto Maksoud quando ainda atuava no empreendimento inaugurado pelo pai, Henry Maksoud

Um dos favoritos dele é a recepção a Tancredo Neves, advogado e político eleito como 33º presidente da República Federativa do Brasil, mas que faleceu em 21 de abril de 1985, antes de tomar posse. “Eu tinha o hábito de aguardar os hóspedes da manhã no lobby, principalmente famosos e autoridades. Um destes seletos foi Tancredo, que certa vez chegou pelas minhas costas, me pegou pelo braço e caminhou em silêncio pelo jardim de entrada. É essa amizade e relacionamento que o Maksoud Plaza proporcionou a mim e a todos que tiveram alguma relação com ele”, conta o executivo.

Envolvido desde o início das operações do hotel, Roberto Maksoud desligou-se do hotel em 2000, levando consigo memórias do que seria considerado o tempo áureo do empreendimento e o conceito da hotelaria “romântica”. Como palco importante da sociedade paulistana por muitos anos, o Maksoud Plaza foi pensado para ter espaços e ambientação distintos do que o segmento brasileiro apresentava à época.

Segundo o empresário, um dos principais trunfos para ter tanto destaque, além da boa conexão da família Maksoud para receber autoridades e famosos, se deu pelo fato do hotel se tornar um centro cultural durante a primeira metade de sua história. “Tínhamos restaurantes de muito destaque e uma vida noturna e cultural agitada. Tudo acontecia no nosso lobby e nossa hospitalidade com H maiúsculo também ajudou a cativar clientes”, diz.

Ainda existem movimentações judiciais por parte de Roberto para evitar o fechamento definitivo do Maksoud Plaza, buscando sua reabertura. Em todo o caso, a paixão e entrega do hoteleiro não passaram despercebidas e, com certeza, honram a rica história do hotel. “O Maksoud Plaza era minha vida e assim será até o fim. Ter acontecido tudo isso com ele me entristece bastante, mas meu orgulho em ter feito parte disso é enorme”, encerra.

O arquiteto

A pesquisa prévia sobre Paulo Lúcio de Brito não foi além do básico e a surpresa ao conhecê-lo pessoalmente tornou-se elemento crucial para compreender mais sobre os laços entre ele e o Maksoud Plaza. Com 79 anos, o responsável pelo projeto arquitetônico da propriedade continua trabalhando, na maioria das vezes, desenvolvendo empreendimentos hoteleiros. Em visita à sua casa em Atibaia (SP), o arquiteto reforçou que o Maksoud Plaza é visto por ele como um divisor de águas em termos de carreira. No entanto, imagina-se que o garoto de 12 anos, que decidiu desde cedo seguir carreira na arquitetura, não imaginava que um de seus projetos se tornaria um dos principais hotéis de São Paulo e do país.

“Sou calado e sempre soube que queria me tornar um arquiteto. Comecei minha carreira de forma mais consolidada em 1969, na Hidroservice Engenharia, empresa de Henry Maksoud, onde fiquei por 21 anos. Era uma empresa consolidada em algumas construções da época, participando do projeto do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, por exemplo. Por isso, em vista de hospedar as muitas autoridades ligadas à companhia, Henry decidiu, em 1974, que queria um hotel como jamais visto na capital paulista. E foi assim que minha missão e atuação na hotelaria começaram”, afirma.

Paulo Lúcio conta que o empreendimento onde o Maksoud Plaza situou-se por 42 anos era, na época em que começou a ser construído, em 1977, o Convento das Carmelitas. O prédio estava para ser tombado há qualquer momento, mas uma ligação entre Henry Maksoud e Olavo Setúbal, prefeito de São Paulo entre 1975 e 1979, fez com que o local pudesse ser transformado no hotel dos sonhos do empresário.

  • Maksoud Plaza
  • Maksoud Plaza

O desejo de Henry e do próprio arquiteto era que o hotel ficasse de frente à Avenida Paulista, ponto de referência econômica e cultural da cidade — no passado e presente. No entanto, a estrutura inicial do Maksoud Plaza parecia “apertada”, nas palavras de Paulo Lúcio. Por isso, em viagens com o idealizador da propriedade, ele visitou empreendimentos como Hyatt e Hilton nos Estados Unidos, além de um Sheraton no Chile. Foram destas experiências empíricas que o conceito do hotel foi ganhando forma.

“O meu objetivo era criar um hotel grandioso e agradável, utilizando uma quantidade de luz específica para iluminar espaços internos e promovendo relacionamento nas áreas sociais. Foi um projeto difícil em termos técnicos e até pelo fluxo de ideias de Henry Maksoud, que sempre voltava de suas viagens com algo diferente em mente para a unidade. Contudo, foi minha grande oportunidade e o início de uma carreira sólida. Posso dizer tranquilamente que o Maksoud Plaza saiu da minha cabeça”, pontua.

Com custo próximo de US$ 45 milhões, sendo US$ 35 milhões de orçamento e US$ 10 milhões pagos no terreno, as obras começaram cheias de ambição. O hotel, que teve os primeiros elevadores panorâmicos do período no Brasil, foi desenhado e projetado nas pranchetas do arquiteto. Cada detalhe, centímetro e cimento utilizado na construção do Maksoud Plaza passou pelas mãos dele. Mas, como toda boa história, nem tudo são rosas.

“Em dois anos de obras, passei dez meses ininterruptos acompanhando os momentos finais do que viria a ser o Maksoud Plaza. Neste período de mais proximidade com os processos, emagreci dez kilos e lidei com a ansiedade de Henry Maksoud pela abertura. Ele ia visitar a obra todos os dias e, algumas vezes, isso atrapalhava o andamento da construção. Apesar disso, confiança é algo que ele nunca deixou de ter em mim. Em dezembro de 1979, o hotel estava todo montado”, explica. O primeiro hóspede do Maksoud Plaza — não pagante — foi Roberto Marinho, fundador do Grupo Globo.

A ligação de Paulo Lúcio de Brito ao Maksoud Plaza durou até 1981. Depois disso, ele retornou às operações corriqueiras na Hidroservice, ficando até 1990 e saindo para fundar seu próprio escritório de arquitetura — com o qual trabalha até os dias atuais. Mas antes de desligar-se do hotel, ele viveu um pouco do glamour da época, sendo um dos sortudos espectadores de Frank Sinatra em seu show no Maksoud Plaza, também em 1981. Fora a experiência musical, Paulo Lúcio acredita que a participação na constituição do empreendimento fez com que conhecesse um “hotel de verdade”.

“É triste ver o que aconteceu com o Maksoud Plaza nos últimos anos, culminando em seu fechamento. Vejo como resultado de um empreendimento descaracterizado ao longo anos e, na minha opinião, mal posicionado no mercado com o fim dos restaurantes icônicos e do 150 Night Club. Foi uma estratégia mercadológica errada. No mais, torço, como arquiteto que sou, para que a estrutura não sofra as mesmas mudanças. Meu sonho era que o hotel fosse comprado e modernizado. O edifício em si tem capacidade para isso e já tinha há anos, mas não foi feito. O que fica de agora em diante é a saudade e a gratidão de integrar a história de um ícone da hotelaria paulistana”, finaliza.

Linha de frente

Vera Campacci

Maksoud Plaza
Vera Campacci trabalhou também na Hidroservice Engenharia, empresa responsável pelo desenvolvimento do hotel

Ao questionar sobre o fim do Maksoud Plaza, Vera Campacci, ex-funcionária do hotel, não pestanejou em externar seu sentimento de perda — visto na maioria dos entrevistados. “Parece que metade de mim se foi. Só voltei ao hotel duas vezes após minha saída, mas ainda tinha completa admiração pelo mesmo e por todas as memórias vividas e acumuladas ali dentro”, afirma. 

Atuante entre agosto de 1986 e final de 1992, Vera passou por três funções dentro do hotel: gerente de Vendas, guest relations (relacionamento com clientes VIPs) e, por fim, gerente de recepção. De todas as áreas nas quais habitou, a profissional confessa que a especialização no trato com personalidades, principalmente aos que exigiam mais empenho e veias da hospitalidade de luxo, tornou-se um prazer à parte no trabalho.

“Lembro de um caso em que recepcionei uma princesa tailandesa que exigiu que as flores — entregues aos hóspedes mais notáveis — estivessem em uma bandeja de prata. A parte mais engraçada era que ninguém poderia fazer sombra nela. Tive que me desdobrar e pensar no horário que ela chegaria ao hotel com a luz que entraria. Era trabalhoso, mas divertido”, salienta.

De acordo com ela, além do trabalho de Roberto Maksoud à frente da parte operacional e administrativa, a chave para o sucesso do Maksoud Plaza por tantos anos estava, principalmente, no atendimento personalizado. Seja no trato com os hóspedes ou frequentadores dos espaços de entretenimento, ela acredita que o hotel inaugurou o glamour hoteleiro no Brasil.

“O hóspede nunca foi um número. Pessoalmente, o Maksoud Plaza foi uma escola e o principal período da minha vida — profissional e pessoal. Aprendi o que é hotelaria e hospitalidade de verdade. Como disse, uma parte de mim se foi e deixa uma lacuna também no tradicionalismo do segmento”, finaliza.

Ovadia Saadia

Maksoud Plaza
Ovadia Saadia foi responsável também por coordenar as sessões de filmes do Maksoud Plaza, entre as diversas funções que desempenhou

A emoção tomou conta ao mencionar a reação de fechamento de um dos principais marcos de sua vida em âmbitos diversos. A notícia foi recebida como se a morte de alguém próximo fosse anunciada e um turbilhão de emoções, com muito choro, veio à tona. A partir daí, Ovadia Saadia resgatou arquivos e fotografias antigas de quando trabalhou no Maksoud Plaza, entre 1998 e 2005. A noite em claro, folheando memórias impressas, o lembrou do porque a informação de que o hotel fechou as portas era tão ruim.

“Posso dizer que o Maksoud Plaza me persegue. Minha história com ele começou com um amigo contando sobre a construção de um estabelecimento próximo a Avenida Paulista. Não sabíamos o que era ainda, mas assim que foi inaugurado, no fim de 1979, fiquei impactado. Tanto que, no Réveillon deste ano para 1980, passei no lobby do empreendimento. Me endividei comendo sanduíches para poder, ao menos, viver um pouco do hotel”, explica.

Saadia trabalhou como Relações Públicas e assessor do Maksoud Plaza por aproximadamente sete anos, mas a relação dele com a propriedade começou antes. Após 17 anos do amor à primeira vista com o hotel, passou a desempenhar as funções citadas e colocar em prática todo o conhecimento que tinha.

“É um empreendimento que, se tentarmos juntar todos aqueles que representaram uma hotelaria de alto nível no Brasil, não conseguimos mensurar a magnitude do Maksoud Plaza. É onde vi Sinatra de perto e coordenei sessões de cinema em um hotel digno de filmes. Além disso, deixá-lo em evidência não era difícil, tendo em vista o produto que tinha em mãos”, afirma.

Por fim, o jornalista cita que o legado do Maksoud Plaza fica marcado, entre as muitas camadas existentes, em ter colocado São Paulo no mercado de luxo. “A hospitalidade nestes moldes foi redefinida e pautada pelo Maksoud Plaza por muitos anos. Era um mundo completo dentro de um hotel, no qual dormir era apenas um mero detalhe. Sou grato por fazer parte, na minha opinião, da história mais linda da hotelaria mundial”, conclui.

Hóspede

Um entre os 4 milhões de pessoas que se hospedaram no Maksoud Plaza ao longo de 42 anos de história, conforme a contabilização da HM Hotéis, administradora do local, Arthur Igreja, palestrante de inovação e transformação digital, é um entusiasta das histórias que cada parede do hotel poderia contar.

Nas mais de dez vezes que ficou no empreendimento, entre 2017 e 2020, notou a mobília mais velha e desatualizada. No entanto, a localização e a mística sempre o fizeram voltar.

“Eu ficava no Maksoud mais pelo apelo e história do que por outros fatores. Via mais que a hospedagem em si, vislumbrando conhecer melhor os espaços sociais e a arquitetura do hotel, já que são grandes diferenciais. Além disso, também sou fã de Frank Sinatra, um entre tantos hóspedes notáveis do empreendimento. Como, então, não querer viver e participar, mesmo minimamente, disso? Olhando para o fechamento do hotel, fico feliz que aproveitei enquanto ele estava em operação. É, sem dúvida, uma grande perda”, afirma.

PARTE DA VIVÊNCIA

O Grupo Via também experimentou um pouco do glamour envolto ao Maksoud Plaza. Realizado pela Revista Via G, o Fórum de Turismo LGBT do Brasil de 2018 aconteceu no empreendimento, inserindo a holding do Brasilturis Jornal em um dos capítulos dos mais de 40 anos de atuação.

Fatos, informações e o recado

Foram dez anos de um embate judicial, iniciado após uma dívida trabalhista da Hidroservice Engenharia levar o Maksoud Plaza à leilão judicial. Em dezembro de 2021, o Grupo JSL, de Fernando e Jussara Simões, que arremataram o prédio como pessoas físicas, conquistaram o imóvel após a companhia de engenharia ter questionado a decisão judicial em 2011.

Sendo assim, a HM Hotéis e a Hidroservice Engenharia entregaram a propriedade por R$ 132 milhões, finalizando a disputa burocrática. Sem a mobília e totalmente descaracterizado internamente desde 27 de dezembro, o Maksoud Plaza deixou 170 funcionários desempregados e um legado de 42 anos na hotelaria paulistana.

São os detalhes que continuarão a guiar o hotel pelo imaginário das gerações adiante, como as referências ao empreendedorismo de Henry e Roberto Maksoud, a atuação arquitetônica coordenada por Paulo Lúcio de Brito e as façanhas operacionais de Ovadia Saadia e Vera Campacci, entre tantos outros motivos e citações possíveis, que perduraram quatro décadas.

A dificuldade de modernização encontrada na segunda metade de existência — física — e os eventos ocorridos na família homônima são pertinentes e precisam ser contados, mas não descrevem ou fazem jus ao mínimo da magnitude encontrada no universo que é o Maksoud Plaza. Não somente em termos mercadológicos ou técnicos de hotelaria e turismo, o empreendimento espalha o que de melhor carregava ao longo das décadas: memórias.

Seja considerado o fim de uma ingerência comercial para alguns ou o mesmo que a morte de um parente para outros, nada tira a grandeza de um empreendimento como o Maksoud Plaza. No final de tudo, sabemos que lendas nunca morrem.