O número de processos judiciais contra companhias aéreas no Brasil acende um alerta no mercado aeronáutico. Apesar de ser considerado a sétima maior potência no setor, nosso país possui índice de judicialização cinco mil vezes maior que os processos judiciais acionados no mercado estadunidense. A proporção é de uma ação judicial para 1,23 milhões de passageiros nos EUA, enquanto no Brasil, a proporção é de uma nova ação a cada 227 passageiros.
De acordo com pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) em 2023, as ações movidas contra companhias aéreas são facilitadas pela ausência de custas judiciais nos Juizados Especiais, além do forte amparo proporcionado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). “O cenário judicial brasileiro é bastante leniente em relação à proteção dos direitos dos passageiros, o que contribui para o aumento das ações”, afirma o advogado internacionalista do Godke Advogados e especialista em Direito Aeronáutico, Marcial Sá.
Na avaliação da advogada Julia Lins, CLO do contencioso cível internacional do Albuquerque Melo Advogados, esse cenário entrava o crescimento do setor. “Por representar um custo significativo paras as empresas aéreas, a judicialização acaba por prejudicar o crescimento do setor, impactando na concorrência e, principalmente no valor da comercialização das passagens, restringindo, consequentemente, o acesso da população a esse tipo de transporte”.
Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), só 3% dos voos previstos no ano passado foram cancelados e 85% deles pousaram pontualmente. Os índices, muito positivos, são incompatíveis com o alto número de processos contra as aéreas. “As reclamações podem sim ser legítimas, já que é uma operação complexa, que envolve diversas condições, como por exemplo a meteorológica. Isso não significa dizer que elas são passíveis de indenizações. E é por isso que temos legislações específicas e internacionais que regulamentam a aviação civil e que nos coloca em igualdade de condições e competitividade no mercado”, pondera Lins.
Marcial Sá acrescenta que o dano moral presumido, sem a necessidade de comprovação dos danos, incentiva o ajuizamento de ações, pois há quase a certeza de vitória e indenização. “O valor médio das indenizações por danos morais, em torno de R$ 10.000,00, e a não aplicação das Convenções Internacionais em Aviação Civil nas ações de danos morais também são fatores que incentivam a judicialização no Brasil”.
Mesmo com um índice de resolução de questões de 81,53% em 2023, o Brasil ainda concentra 90% dos processos judiciais contra companhias aéreas, com uma projeção de 250 mil processos em 2024, de acordo com dados da ABEAR. “Na verdade, o que o Brasil precisa fazer é aplicar as legislações específicas que regulamentam o tema, e as legislações internacionais das quais ele próprio é signatário. Ou seja, as normas existem, o setor é regulado, no entanto, na prática, a justiça brasileira muitas vezes as ignora”, avalia Julia Lins. “Além disso, há uma cultura pela procura do Judiciário para a resolução de conflitos que poderiam, muitos deles, facilmente serem resolvidos por meio de canais administrativos das empresas (SACs), ou canais alternativos, como o consumidor.gov”, complementa.
Comparando com a legislação de outros países, como o Regulamento 261 da União Europeia, que estabelece indenizações claras e objetivas para atrasos e cancelamentos, a legislação brasileira deixa margem para interpretações subjetivas, causando insegurança jurídica. “A objetividade da lei europeia contrasta com a flexibilidade da brasileira, que permite ao julgador estabelecer indenizações e seus respectivos valores, incentivando a judicialização”, explica Sá.
Outro aspecto a ser considerado é o fato da pandemia de COVID-19 ter proporcionado novos desafios, aumentando ainda mais a judicialização. A Lei 14.034/20, que dispôs sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira, exigiu comprovação de prejuízo efetivo para indenizações por danos morais. Mesmo assim, a judicialização continuou a crescer
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