Não é novidade em nossa indústria, mas a grande imprensa traz como furo jornalístico: Ásia e África são destinos cada vez mais procurados para o turismo de lazer. Fui desbravar, com uma parada estratégica na Etiópia, o Benin, que juntamente com Nigéria, Togo, Burquina Fasso e Niger formavam o antigo Reino de Daomé, até o século XIX. Embora tenha sido a terceira vez na África, essa viagem me trouxe uma visão totalmente nova do continente. Não espere encontrar nada que lembre África do Sul, Tanzânia ou Seychelles. A experiência é única na costa oeste.
Primeira boa surpresa, a Ethiopian Airlines supera em excelência grande parte das companhias aéreas americanas e europeias. Na edição anterior, eu já tinha constatado a superioridade no serviço das empresas asiáticas. A classe executiva da companhia apresenta uma das melhores relações de custo-benefício para voos com destino aos demais países africanos e Ásia. Além da gastronomia, carta de vinhos e a gentileza das comissárias, o hub em Adis Abeba me encantou, sobremaneira pela organização e eficiência.
O Benin é um país de 13,35 milhões de pessoas e mantém relações históricas profundas e emocionais com o Brasil. Afinal, por mais de dois séculos, milhões de africanos escravizados de lá saíram para trabalhar em terras brasileiras, influenciando nossa sociedade e cultura. Nesse sentido, o governo do país tem investido no turismo de memória com excelentes resultados: o número de turistas afrodescendentes de toda a América tem crescido ano após ano. A rota da escravidão com sete paradas, na cidade de Ouidah, é uma das jornadas mais comoventes que percorri. Ela termina na Porta do Não Retorno, um monumento que simboliza a partida sem volta de milhões de pessoas escravizadas.
Mais do que essa rota, a cidade apresenta muito da espiritualidade do país, que apesar de fortemente católico, traz fortes elementos do culto à natureza. Assim, como fizeram o Papa João Paulo II e o Papa Bento XVI, é obrigatória a visita à Floresta Sagrada e ao Templo das Pítons. Uma parada na Fondation Zinsou também é fundamental para se entender a arte contemporânea africana.
O segundo dia de viagem foi dedicado a conhecer Ganvié, a maior cidade lacustre da África. Cerca de 30 mil pessoas vivem no lago de Nokué. Trata-se de um antigo vilarejo que serviu de refúgio para africanos que fugiam da escravidão há 300 anos. Tudo se faz de barco. Cada família tem ao menos três embarcações: uma para o pai trabalhar, outra para a mãe pescar e vender peixes no porto mais próximo e outra ainda para as crianças frequentarem a escola. São milhares de construções sobre as águas, não havendo nenhuma rua ou estrada. Passear pelas águas fazendo compras é algo fascinante.
Outro destino importante é Ketou, onde é possível, com sorte, conhecer o rei dos povos iorubás. Lá, deve-se visitar dois palácios reais ocupados desde o século XIII por cinco dinastias e 51 reis, mas é a presença real que torna a experiência inesquecível. Isso porque o monarca busca fortalecer as ligações com o Brasil, para onde muitos dos ancestrais dos beninenses partiram. O rei passa um bom tempo falando do passado e das tradições que ainda são preservadas, como os rituais com as Geledés, reverenciando o papel feminino na história humana.
Em Porto Novo, pode-se visitar a mesquita da cidade, cuja construção foi inspirada em uma igreja católica de Salvador. A cidade, com cerca de 24% de adeptos do Islã, ajuda a explicar a naturalidade do sincretismo religioso no Brasil. Ao lado de mesquitas, é possível encontrar igrejas evangélicas, templos de vodum (que não tem nada a ver com feitiçaria) e paróquias católicas. O Benin busca se posicionar como a cidade da confraternização religiosa, abrigando, inclusive, o terceiro maior mural de grafite do mundo, assinado pelo Kobra, mostrando fiéis de diferentes tradições espirituais abraçados. É fundamental conhecer as fábricas de tambor e aprender a tocar o instrumento, além de visitar o Rio Negro, um dos passeios de barco mais bonitos que fiz na minha vida para chegar à uma aldeia onde pude experimentar a aguardente local e aprender a fazer cestas de ráfia.
Abomey é a cidade dos palácios, fora a capital do Reino. Quem assistiu ao filme Woman King, com Viola Davis, estará na cidade que serviu de inspiração para a obra cinematográfica. Lá, é possível visitar um dos maiores mercados de ervas e curandeirismo do país, além de surpreendentes templos construídos no formato de leopardo e camaleão, também considerados sagrados.
O país é pequeno, o que possibilita uma viagem tranquila de sete dias. É possível se hospedar em Cotonou, onde se encontra o aeroporto internacional. Lá os dois melhores hotéis são a Maison Rouge Cotonou, empreendimento boutique quatro estrelas superior a poucos metros da embaixada brasileira, com uma gastronomia incrível e onde um pavão vem visitá-lo durante as refeições; e o recém inaugurado Sofitel Cotonou, um palácio majestoso, com cassino e boate, que tem o querido Mohamed, que trabalhou por muitos anos no Sofitel Rio e no Fairmont.como diretor de operações.
O povo do Benin é muito acolhedor, gentil e bem humorado. Os índices de criminalidade são baixíssimos. Pude filmar com meu iphone na rua sem ser importunado. Trata-se de uma viagem autêntica, sem qualquer possibilidade de viver algo parecido em outro destino. E mais, como mestre e doutorando pela PUC, viajante há mais de 40 anos, posso afirmar, ninguém entende o Brasil se não conhecer o Bénin. Somos todos filhos do Benin.
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