O turismo brasileiro vive um de seus melhores momentos em termos de fluxo de visitantes, mas enfrenta um desafio crítico: a urgente necessidade de qualificação e profissionalização. Somente nos quatro primeiros meses de 2025, o Brasil recebeu mais de 4,2 milhões de turistas internacionais, um recorde para o período, segundo dados do governo federal. Além disso, os parques nacionais somaram 12,5 milhões de visitas, consolidando a força do turismo de natureza.
Embora o setor comemore os números, especialistas alertam que o crescimento, se não for acompanhado por investimentos robustos em capacitação técnica e formalização, pode se tornar insustentável. Casos recentes, como os acidentes com balões em Capela do Alto (SP) e em Praia Grande (SC), que resultaram em vítimas fatais, evidenciam o risco gerado pela falta de regulamentação e qualificação no setor.
Três gargalos que travam o setor
Para Luiz Del Vigna, diretor-executivo da Associação Brasileira de Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta), três fatores comprometem a evolução do turismo brasileiro: a informalidade, a ilegalidade e a baixa qualificação técnica. “De maneira geral, a prestação de serviços no turismo brasileiro é muito mal feita”, alerta. Isso impacta diretamente a segurança dos turistas, a qualidade da experiência e até a credibilidade internacional do Brasil no segmento.
Dados do Dieese revelam que a informalidade na economia criativa — que inclui o turismo — chegou a 42,2% em 2024, acima da média nacional. “A informalidade pode ser uma solução de curto prazo para geração de renda, mas não cria uma base sólida de desenvolvimento para o setor”, reforça Del Vigna.
Segurança não é opcional
Desde 2006, a Abeta mantém o programa Aventura Segura, desenvolvido em parceria com o Ministério do Turismo e o Sebrae. O programa conta com 44 Normas Técnicas, cinco delas transformadas em normas internacionais pela ISO. A base é o Sistema de Gestão de Segurança, que estabelece protocolos rigorosos para prevenir acidentes.
Evandro Schütz, da empresa Atitude Ecologia & Turismo, em Canela (RS), relata como a adoção do sistema salvou vidas. “Identificamos 932 possibilidades de danos e estruturamos nossa operação para mitigar esses riscos”, afirma. Mesmo após um incidente envolvendo um cliente, a empresa conseguiu provar que seguiu todos os protocolos e agiu corretamente, minimizando as consequências.
Exceção, não regra
No entanto, casos como o da Atitude são exceções. De acordo com levantamento da Associação Férias Vivas, entre 2002 e 2020, ocorreram 3.960 acidentes relacionados ao turismo no Brasil. As causas são preocupantes: 70% dos acidentes ocorreram por negligência dos prestadores de serviços, 77% por ausência de equipamentos de proteção e 49% por imperícia dos profissionais.
Daniela Meres, da agência Gondwana Brasil, de Curitiba, explica que boa parte da sua rotina envolve não só contratar prestadores de serviço, mas também educá-los. “Falta uma pressão mais forte do mercado nacional para que a gestão de segurança e as boas práticas sejam exigências, não diferenciais”, diz.
Enquanto operadoras estrangeiras já exigem seguros, contratos claros e certificações como pré-requisitos, o mercado brasileiro ainda trata essas práticas como opcionais. Isso distancia o Brasil dos padrões internacionais de turismo responsável e seguro.
Caminho é capacitar e regulamentar
Com o mercado projetando faturamento de R$ 211 bilhões para 2025, segundo a FecomercioSP, a oportunidade de crescimento é enorme. Mas a Abeta alerta que, sem profissionalização, o setor corre o risco de crescer de forma desordenada e insustentável.
“O Brasil tem potencial para ser referência mundial no turismo de natureza e aventura, mas só se transformar essa energia criativa e essa riqueza natural em uma indústria profissional, segura e sustentável”, conclui Del Vigna.
O desafio, portanto, vai além de atrair turistas. É garantir que eles voltem para casa com segurança, satisfação e vontade de retornar — e que suas experiências sejam um motor de desenvolvimento econômico e social para o país.