A Azul Linhas Aéreas iniciou um ambicioso processo de reestruturação financeira visando garantir um futuro mais sólido e competitivo no mercado aéreo brasileiro. Para isso, a companhia firmou acordos com os principais parceiros financeiros — incluindo credores, arrendadores de aeronaves e as norte-americanas United Airlines e American Airlines — e acionou o processo de Chapter 11 nos Estados Unidos. A medida, de caráter voluntário e pré-negociada, visa eliminar aproximadamente US$ 2 bilhões em dívidas e captar até US$ 1,6 bilhão em financiamento durante o processo, além de um aporte adicional de até US$ 950 milhões em equity na fase final da reorganização.
Apesar do movimento, a Azul reforçou que continua operando normalmente, mantendo todos os compromissos com clientes, programas de fidelidade e fornecedores. “A Azul continua a voar – hoje, amanhã e no futuro. Esses acordos marcam um passo significativo na transformação do nosso negócio”, afirmou John Rodgerson, CEO da companhia.
O plano de reestruturação inclui a captação de recursos na modalidade Debtor-in-Possession (DIP), que serão utilizados tanto para reforçar a liquidez quanto para quitar parte da dívida existente. A proposta prevê aproximadamente US$ 670 milhões em capital novo. Na saída do processo, a Azul contará com uma oferta de direitos de ações de até US$ 650 milhões, além de um investimento adicional de US$ 300 milhões por parte da United Airlines e da American Airlines, sujeito a determinadas condições.
A iniciativa é considerada um passo decisivo para a construção de uma companhia mais enxuta, resiliente e orientada para o longo prazo. “Com uma abordagem colaborativa e o apoio dos nossos parceiros, tomamos a decisão estratégica de iniciar uma reestruturação financeira voluntária — um movimento proativo para otimizar nossa estrutura de capital, sobrecarregada pela pandemia de covid-19, por turbulências macroeconômicas e por problemas na cadeia de suprimentos da aviação”, explicou Rodgerson.
Entre os principais parceiros envolvidos está a AerCap, maior arrendadora de aeronaves da Azul, que apoia abertamente a decisão. “A AerCap assinou um acordo de apoio com sua parceira de longa data, a Azul. À medida que a companhia aérea avança em sua reestruturação, estamos muito confiantes de que sairá desse processo mais forte do que nunca”, destacou Aengus Kelly, CEO da AerCap.
Do lado norte-americano, o apoio das gigantes United e American Airlines reforça a confiança no plano. “A Azul é mais do que apenas uma parceira comercial da United – sua abordagem de foco no cliente e sua rede única de rotas conectando pequenas e grandes comunidades melhoraram a experiência dos passageiros no Brasil”, declarou Andrew Nocella, vice-presidente executivo e diretor Comercial da United.
Stephen Johnson, vice-presidente da American Airlines, acrescentou: “Estamos confiantes de que o plano da Azul para fortalecer seu futuro será extremamente positivo para o mercado de aviação brasileiro e para os viajantes de/para e dentro do Brasil. Estamos entusiasmados em apoiar esse processo e fazer parte do futuro da Azul”.
Chapter 11
A decisão da Azul Linhas Aéreas de recorrer ao Chapter 11, dispositivo da Lei de Falências dos Estados Unidos, marca um novo capítulo em sua estratégia de reestruturação financeira. O mecanismo, equivalente à recuperação judicial no Brasil, permite que empresas em dificuldade suspendam temporariamente o pagamento de dívidas enquanto estruturam um plano de reorganização operacional e financeira — sem interromper as atividades.
Para companhias aéreas, o Chapter 11 é considerado particularmente estratégico. Isso porque, entre seus benefícios, está a suspensão automática das obrigações com arrendadores de aeronaves, que representam o maior componente da dívida de empresas do setor. No caso da Azul, cuja frota é majoritariamente composta por aeronaves arrendadas, o instrumento oferece fôlego imediato para reorganizar os compromissos financeiros.
Outro ponto favorável é o ambiente regulatório norte-americano, reconhecido pela agilidade e previsibilidade no tratamento de passivos em dólar, além da centralização das negociações com credores globais. Segundo Filipe Denki, especialista em insolvência empresarial, o caminho internacional foi o mais viável diante das limitações da legislação brasileira. “A Lei nº 11.101/2005 ainda exclui da recuperação judicial créditos estratégicos, como os de arrendamento mercantil. Isso inviabiliza a negociação de contratos essenciais ao funcionamento das companhias aéreas”, explica.
A decisão de buscar a reestruturação nos Estados Unidos também reflete a falta de políticas de apoio à aviação comercial no Brasil. Fábio Campos, vice-presidente Institucional e Corporativo da companhia, destacou a ausência de linhas de financiamento contínuas para o setor, ao contrário do que ocorre com a agricultura ou a construção civil. Ele lamentou que o Fundo Nacional de Aviação Civil, aprovado em 2023, ainda não tenha sido implementado.
Além disso, o Chapter 11 possibilita o acesso ao DIP Financing, linha de crédito prioritária para empresas em recuperação — um modelo ainda complexo de ser implementado no Brasil. “O sistema americano oferece mecanismos mais eficientes de proteção patrimonial e é mais atrativo para empresas com estrutura de endividamento internacional”, completa Denki.
Após o pedido de reestruturação, a Azul já realizou a primeira audiência. É ela quem define a estrutura legal do processo e autoriza sua continuidade. A segunda audiência está marcada para o dia 9 de julho, caso não haja alterações. E assim, com o desenvolvimento do plano, onde a empresa elabora o plano de recuperação para que ele seja votado em uma próxima etapa. Por último, há a conclusão do processo, quando a empresa emerge do Chapter 11 com base financeira fortalecida e perspectivas de crescimento.
Em sua audiência inicial, a Azul obteve autorização judicial para rejeitar algumas aeronaves — especialmente modelos antigos, como o Embraer 195, e aqueles fora de operação por falta de motores ou peças. Segundo Campos, o objetivo é enxugar a frota de forma estratégica. “Esse processo é dinâmico e contínuo. A devolução de aeronaves ainda está sendo negociada com os arrendadores”, afirmou.
Campos também garantiu que os voos, o atendimento ao cliente e o programa de fidelidade não sofrerão alterações. Quem comprou bilhetes terá seus voos honrados, assim como quem tem pontos no programa de fidelidade poderá usá-los normalmente.
Apesar do momento desafiador, a Azul reforça seu compromisso com o trade e com os parceiros comerciais. “Já estamos em contato com nossos parceiros e agradecemos o apoio demonstrado. A Azul sempre trabalhou em proximidade com o trade e continuará fazendo isso”, declarou Campos.
O executivo também comentou sobre o Memorando de Entendimento (MOU) assinado com a Gol, afirmando que o acordo permanece válido, mas não é prioridade no momento. “O foco da empresa é 100% na reestruturação. O MOU continua existindo, mas a prioridade agora é concluir esse processo com sucesso.”
Quanto à operação, Campos foi categórico ao afirmar que não haverá cortes de pessoal ou fechamento de bases. Pelo contrário, a Azul já anunciou novos voos para Porto Seguro e projeta o lançamento de rotas internacionais com saídas de Campinas e Recife.
Mesmo diante de um cenário global desafiador para a aviação, a empresa acredita que sairá fortalecida após o processo. “Estamos falando de uma extrema desalavancagem e melhoria da estrutura de capital. A Azul vai se posicionar muito mais forte do que já era”, finalizou Campos.
Azul não é a única
A reestruturação da Azul não é um caso isolado. Até então, ela era a única companhia aérea brasileira que ainda não havia recorrido ao Chapter 11. Em janeiro de 2024, a Gol Linhas Aéreas também acionou a ferramenta e, após pouco mais de um ano, teve seu plano de recuperação aprovado pela justiça americana no último dia 20 de maio. A empresa declarou dívidas de aproximadamente US$ 3,5 bilhões e estima sair do processo ainda em junho, com liquidez de cerca de US$ 900 milhões e redução na alavancagem de 5,8 vezes para 2,7 vezes até 2027. No primeiro trimestre, a alavancagem recorrente foi de 5,8 vezes dívida líquida sobre Ebitda.
Durante esse período, a companhia avançou significativamente na recomposição de seus fundamentos financeiros e operacionais. Entre os principais marcos do plano, a Gol assegurou US$ 1 bilhão em financiamento debtor-in-possession (DIP), renegociou contratos com arrendadores que totalizam US$ 1,1 bilhão em concessões e garantias, e firmou acordos com autoridades brasileiras que reduziram impostos não pagos, contingências e outros passivos em aproximadamente US$ 750 milhões. A empresa também obteve apoio de bancos nacionais, incluindo a reestruturação de US$ 150 milhões em debêntures e acesso a cerca de US$ 340 milhões em factoring.
O plano aprovado inclui ainda a captação de até US$ 1,87 bilhão por meio de ações e dívidas — sendo US$ 330 milhões por oferta de ações, o que pode gerar uma diluição acionária estimada em 75%, caso parte da dívida seja convertida em participação societária. Além disso, a Gol viabilizou US$ 1,9 bilhão em financiamento de saída para quitar integralmente o DIP e garantir liquidez adicional à execução de seu plano de negócios.
Em paralelo, a companhia negociou com a Boeing a modificação de contratos de compra de aeronaves, obtendo US$ 262 milhões em liquidez incremental até 2029, totalizando mais de US$ 700 milhões em concessões.
Com esse reposicionamento, a Gol estima encerrar o processo ainda em junho, com liquidez de aproximadamente US$ 900 milhões e uma redução significativa da alavancagem, que deve cair de 5,8 vezes para 2,7 vezes até 2027. A empresa mantém o plano de receber mais cinco jatos Boeing 737 Max até o fim de 2025 e aposta na recuperação total de sua frota — com mais de 50 motores em reforma — até o primeiro trimestre de 2026.
“Agradecemos esse voto de confiança dos nossos investidores e estamos ansiosos para encerrar oficialmente esse processo e iniciar nossa próxima fase como uma companhia aérea mais forte e competitiva”, afirmou Celso Ferrer, CEO da Gol, em comunicado divulgado no dia 30 de maio.
A reestruturação também abre caminho para uma eventual fusão com a Azul, possibilidade prevista no plano aprovado pela Justiça americana, condicionada à solução das pendências financeiras de ambas as empresas.
Antes da Azul e da Gol, a Latam já havia recorrido ao Chapter 11. A holding e suas afiliadas, incluindo a Tam Linhas Aéreas, iniciaram o processo em maio de 2020 e o concluíram em novembro de 2022, com uma redução de US$ 3,6 bilhões em dívidas, modernização de frota e liquidez acima de US$ 2,2 bilhões.
Já a Voepass, que optou por um processo de reestruturação judicial no Brasil, enfrenta obstáculos. Em decisão de 22 de maio, a Justiça negou o pedido de recuperação para as empresas diretamente envolvidas no transporte aéreo. Apenas duas companhias do grupo, voltadas a gestão e finanças, obtiveram autorização. A Voepass, que já foi a quarta maior aérea do país, afirmou que irá recorrer.
Enquanto isso, a Azul afirma manter o compromisso com seus clientes, colaboradores e parceiros durante sua reestruturação. A companhia já protocolou medidas para assegurar a continuidade de programas de benefícios, pagamentos regulares a fornecedores e a manutenção de sua malha aérea. “Estamos confiantes de que sairemos desse processo ainda mais fortes e mais bem posicionados para continuar conectando o Brasil como nenhuma outra companhia aérea”, declarou o CEO John Rodgerson.
A Azul aposta que, ao final do processo, estará financeiramente mais saudável, competitiva e apta a liderar o setor aéreo nacional, com foco em conectividade regional, excelência no atendimento e inovação.