A Skål Internacional São Paulo promoveu, nesta quarta-feira (10), o webnário “COP30: Reflexões sobre o impacto na atividade turística”, encontro transmitido do Grand Mercure Ibirapuera e conduzido pela especialista Jaqueline Gil, referência nacional na agenda de sustentabilidade aplicada ao setor. Durante quase duas horas de apresentação e debate, a pesquisadora destacou o papel decisivo que o turismo terá na transição climática brasileira e internacional, reforçando que o segmento passa a ser tratado como setor obrigatório dentro das metas firmadas no Acordo de Paris — marco que altera de forma significativa sua relação com políticas públicas, investimentos e modelos de operação.
Logo na abertura, ao contextualizar a necessidade de alinhamento entre governo, iniciativa privada e comunidades, Jaqueline reforçou que o desafio é sistêmico:
“É muito importante a gente ter esse alinhamento enquanto setor para que a gente possa definir uma estratégia conjunta, porque a gente sabe que nenhum nenhuma dorinha faz verão, né?” Ela destacou ainda o papel das políticas públicas no apoio aos territórios turísticos e na implementação de soluções climáticas: “Como é que a gente pode adaptar as nossas políticas públicas, como é que a gente pode ser efetivo em levar isso para todos os municípios.”
Turismo como pilar climático: da ciência à tomada de decisão
Ao explicar a estrutura das Conferências do Clima e seu peso político, Jaqueline destacou que a COP é hoje a instância de maior relevância em decisões ambientais globais, responsável por orientar metas que impactam diretamente o setor.
Segundo ela, a inclusão do turismo como segmento obrigatório nas negociações climáticas — oficializada em 2024 — representa uma virada histórica: “A COP é hoje a maior agenda de sustentabilidade do planeta”, afirmou, lembrando que o Brasil foi protagonista desde o início desse processo ao sediar a conferência de 1992, no Rio de Janeiro.
Durante o webinário, a especialista apresentou gráficos, experiências internacionais e um panorama técnico elaborado a partir das discussões travadas nas COPs anteriores, incluindo a de 2024, realizada em Baku. Foi ali, relata, que o mundo passou a compreender com precisão científica o tamanho do impacto do turismo nas emissões globais.
Em suas palavras: “Não existe nenhuma informação nenhuma de que nós estamos reduzindo as nossas emissões, muito pelo contrário, nós só estamos aumentando.”
A experiência de Belém: sociedade civil no centro e desafios de organização
Ao abordar a COP30, sediada em Belém, Jaqueline fez um paralelo entre o ambiente formal de Baku e a atmosfera popular do encontro brasileiro, sublinhando a força cultural e participativa do Pará. Imagens e vídeos exibidos durante o webinário mostraram a ocupação massiva da Zona Verde por moradores, estudantes, lideranças comunitárias e turistas, cenário que exigiu dos painelistas adaptação imediata da linguagem.
Jaqueline narrou, com humor, o choque entre o planejamento acadêmico e a vibração paraense: “O que eu preparei não vai caber nesse ambiente.”
Ao mesmo tempo, destacou o prestígio internacional alcançado pelo Brasil como presidente da COP até novembro de 2026 e relatou, por meio de fotos e vídeos, a participação de ministros, pesquisadores e representantes de comunidades indígenas em momentos decisivos — mesmo diante de incidentes que levaram à evacuação temporária da Zona Azul.
Riscos climáticos: litoral brasileiro é o ponto mais vulnerável do turismo
Entre os pontos mais sensíveis apresentados por Jaqueline, o mapeamento dos riscos climáticos chama atenção pela convergência com os principais destinos turísticos do país.
Ao projetar cenários de 1,5°C, 2°C e 2,5°C de aquecimento — níveis previstos pela ciência —, ela alertou que áreas litorâneas concentram riscos de inundação, enxurradas, erosão, deslizamentos, seca e incêndios.
Casos recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul, o deslizamento no litoral norte paulista e os incêndios no Pantanal, ilustram o que está por vir.
Para Jaqueline, a urgência é inequívoca: o setor precisa de planos robustos de adaptação e mitigação, com definição clara de prioridades, metas, custos e fontes de financiamento.
A especialista questiona: “Quem vai pagar essa conta?” — lembrando que empresas de turismo operam com margens baixas e não conseguem arcar sozinhas com investimentos bilionários em transição climática.
Governança e financiamento: os pontos frágeis que precisam avançar
Em diferentes momentos da apresentação, Jaqueline ressaltou os dois maiores gargalos atuais:
Governança climática do turismo — ainda inexistente de maneira estruturada;
Acesso a recursos financeiros, especialmente fundos internacionais de clima.
Sobre governança, alertou: “O tema da governança está em aberto… é muito fácil disso aqui tudo escorrer pelos dedos.”
Sobre financiamento, reforçou que a disputa global por recursos é técnica e altamente competitiva: países e setores que chegam com projetos robustos, cálculos de custos e prioridades claras recebem mais.
Quem não chega preparado, diz Jaqueline, corre risco de receber “um total de zero”.
Turismo regenerativo e ciência como guias para o futuro
Jaqueline apontou ainda que o turismo regenerativo — aquele que recupera natureza, cultura e biodiversidade por meio da atividade turística — deve se consolidar como eixo central do setor.
Ela ressalta, porém, que o conceito precisa ser tratado com rigor: regeneração não diz respeito ao bem-estar individual, mas à restauração real de ecossistemas e comunidades.
Citando exemplos internacionais e o protagonismo de centros como a Universidade de Brasília, ela reforçou que o Brasil tem capacidade científica elevada, mas ainda subaproveitada na agenda climática do turismo.
Uma chamada à ação
Ao final, Jaqueline deixou claro que a COP30 representou apenas o início da jornada brasileira no comando da agenda climática global.
Até novembro de 2026, o país terá a oportunidade — e a responsabilidade — de estruturar políticas, conduzir debates e entregar diretrizes para o mundo.
Sua última mensagem reforça a necessidade de urgência, cooperação e pragmatismo: “A gente tem tudo. Só não fizemos a tarefa de casa.”







