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Turismo predatório no Brasil: entenda os impactos

A concentração excessiva de visitantes nos mais famosos centros urbanos europeus gerou a necessidade de medidas contrárias ao turismo predatório ou overtourism (excesso de turismo). No Brasil, onde a atração de turistas estrangeiros é ainda muito incipiente, ações como essas parecem não fazer sentido ou soam até contraditórias. A realidade que cerca este tema, no entanto, é muito mais complexa do que simplesmente receber turistas demais. 

Como explica Luiz Gonzaga Godoi Trigo, doutor e professor titular de Turismo da Universidade de São Paulo (USP), os termos turismo predatório e overtourism não possuem necessariamente o mesmo significado. “No Brasil, não há exatamente um overtourism como em Veneza, Paris e Amsterdã, a não ser em vésperas de carnaval ou festas juninas nordestinas”, aponta. “O problema central do desenvolvimento do turismo no país está na falta de planejamento e na especulação imobiliária”, pontua.

O turismo predatório, segundo Trigo, é qualquer atividade turística que não respeita a capacidade de carga de um local. “Tudo possui um limite de capacidade, não apenas veículos, mas ilhas, praias, montanhas, parques, cidades, etc. No Brasil, por exemplo, temos ocupação de espaços litorâneos de forma predatória, como em Balneário Camboriú (SC), na Baixada Santista (SP) e no litoral do Nordeste”, exemplifica.

“Fortaleza e Recife, que antes respeitavam moderadamente os gabaritos de construção civil, agora estão finalizando edifícios de 50 andares, todos amontoados em frente à orla”, conta Trigo. “Santa Catarina, por exemplo, desrespeita sistematicamente a ocupação de dunas e manguezais. A construção do Shopping Iguatemi de Florianópolis sobre um manguezal é um grande exemplo disso”, complementa.

No caso de Balneário Camboriú, Trigo conta que na alta temporada não há como circular nas ruas da cidade. “A cidade fica entupida porque há prédios de 60 a 80 andares e ainda querem fazer mais um de 100 andares. Isso está se esparramando nas praias ao redor”, afirma o professor. “O Brasil conta com mais de 7,5 mil quilômetros de praia, não há necessidade de se construir dessa forma”, avalia.

Assim como diversos problemas que cercam outros setores da sociedade, a busca pelo lucro rápido é uma das principais causas, a ponto de prejudicar até mesmo proprietários e investidores. “Na primeira linha das praias, há imóveis caríssimos, com valor triplicado para apartamentos virados para o mar. Os imóveis da segunda quadra já são muito mais baratos, o que evidencia o descontrole da especulação imobiliária”, infere Trigo.

Esses investimentos imobiliários mal planejados também impactam em grande escala as comunidades locais desses destinos. Além do aumento do trânsito, da poluição sonora e atmosférica, da geração de lixo, há ainda a perda das fontes de renda dos habitantes, o encarecimento do custo de vida e dos preços dos imóveis e aluguéis. Esses problemas não só impactam a rotina, o trabalho e a qualidade de vida dos caiçaras, como forçam muitos a saírem da região onde nasceram e procurar renda e moradia em outros lugares.

Outro resultado é o aumento da criminalidade. “Você pode ter uma praia legal, muito bem preservada, iluminada e segura. Você atravessa a primeira e a segunda quadra e não tem mais nenhuma estrutura, então o risco de assalto é altíssimo”, alega Trigo. “O Brasil continua sendo um país com baixa distribuição de renda e riqueza, isso gera violência. Não é à toa que temos um dos mais altos índices de homicídio do mundo, o que é péssimo para o setor turístico, assim como para a sociedade como um todo”, argumenta o professor.

Além da criminalidade, a busca pelo lucro fácil também traz riscos de vida aos turistas. É o caso da tragédia do Capitólio (MG), onde já se sabia que era uma região de risco, mas não deixaram de operar. “É o mesmo problema do sul da Argentina, em que geleiras não só caem como lançam detritos em alta velocidade por centenas de metros de distância. Por conta disso, eles limitaram a distância de observação para mais de dois quilômetros”, conta o professor.

Planejamento sustentável

Apesar da situação, Trigo acredita que é possível desenvolver projetos muito mais sustentáveis e que geram mais lucro e renda. “Para isso, é necessário um planejamento urbano que respeite a capacidade de carga, o fluxo de pessoas, as características locais e o meio ambiente. Inclusive, em 1973, uma iniciativa chamada Projeto Turis fez tudo isso, a partir de uma análise da Rio-Santos, cuja metodologia vale para qualquer praia”.

Entretanto, o professor avalia que isso nunca foi seguido. “O poder de influência do setor imobiliário é muito grande, a ponto de fazer vereadores e prefeitos alterarem o plano diretor das cidades para alinhar com seus interesses. No fim das contas, dependemos do poder público e de ações dos cidadãos conscientes sobre a questão”, salienta.

Em Mangue Seco (BA), por exemplo, construíram condomínios de luxo em áreas e ilhas onde o rio desemboca no mar, regiões que deveriam ser preservadas. Todas as casas foram destruídas por conta da maré alta. “A falta de planejamento faz até os investidores perderem suas propriedades. E o pior, as ruínas poluem o meio ambiente e levam tempo para serem consumidas pela natureza”, comenta Trigo.

Existem alguns exemplos de turismo sustentável, como a Riviera de São Lourenço, em Bertioga (SP). De acordo com Trigo, os impostos da região são altos e mesmo assim a valorização dos imóveis permanece, visto que se não perde dinheiro quando a capacidade é respeitada. “Ainda que seja destinado a um público mais rico, é um exemplo que mostra a importância de ter uma visão ambiental nos negócios”, afirma.

Da mesma forma, Trigo entende que as restrições à cruzeiros e taxas de turismo que estão sendo implementadas em diversos lugares do mundo são bastante favoráveis. “Quer visitar um local maravilhoso e bem conservado, com segurança e infraestrutura? Alguém terá que pagar por isso”, afirma. “Ademais, a taxa controla o fluxo de visitantes de destinos, assim como as restrições de cruzeiros”, complementa.

Ele cita ainda exemplos no Caribe, em que as grandes empresas de cruzeiros marítimos estão comprando ilhas e construindo áreas de lazer exclusivas. Assim, as companhias conseguem concentrar todos os turistas em um destino que está preparado para receber os 2 ou 3 mil visitantes de uma só vez.

Entretanto, questões de planejamento, regulamentação e implementação de medidas como essas dependem do poder público. “A Embratur está com uma boa equipe, mas de que adianta trazer turistas se não temos estrutura para isso?”, questiona Trigo. “Enquanto o Ministério do Turismo continuar do jeito que está, estaremos sempre nas mãos dos poucos bons planejadores de políticas públicas e empresários. Onde isso acontecer, tudo bem. Onde não acontecer, destruiremos tudo”, finaliza.

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Matheus Alves
Matheus Alves
Repórter - E-mail: matheus@brasilturis.com.br

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