Fogo a bordo: o caso que mobilizou passageiros e tripulação
O voo da KLM KL792 que partiu de São Paulo (GRU) rumo a Amsterdã, na Holanda, no início de agosto, viveu momentos de tensão quando um carregador portátil, popularmente conhecido como power bank, pegou fogo em pleno ar. O incidente, que ocorreu já em cruzeiro, provocou densa fumaça na cabine e pânico entre os passageiros. Segundo relatos, a tripulação agiu rapidamente para conter as chamas, utilizando protocolos de segurança e equipamentos específicos para lidar com incêndios causados por baterias de íon-lítio.
Embora o caso tenha terminado sem feridos, a situação reacendeu discussões sobre os riscos e a regulamentação do transporte desses dispositivos em aeronaves. Para esclarecer pontos cruciais, o Brasilturis ouviu Hilton Rayol, especialista em segurança de voo e direito aeronáutico, que detalhou as ameaças, protocolos e cuidados essenciais para o transporte seguro de baterias portáteis.
O risco invisível das baterias de íon-lítio
Segundo Rayol, power banks e outros dispositivos com baterias de íon-lítio se enquadram na categoria de “artigos perigosos” prevista no Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC 108) e nas normas internacionais da Icao e da Iata. “Essas baterias concentram muita energia em um espaço pequeno, e, em caso de dano ou falha interna, podem liberar essa energia de forma rápida e descontrolada”, explica.
Entre os principais riscos está a chamada “fuga térmica”, um fenômeno em que a bateria aquece de forma contínua, elevando a temperatura até provocar incêndio e liberação de gases tóxicos. O especialista lembra que, em voo, um incidente desse tipo pode levar a pousos de emergência e colocar a aeronave e seus ocupantes em risco.
Transporte: cabine ou porão?
A dúvida sobre onde é mais seguro transportar o power bank é comum. Para Rayol, a resposta é clara: “É mais seguro na cabine, pois, em caso de superaquecimento, a tripulação pode agir imediatamente, utilizando extintores e kits específicos para baterias.”
Já o transporte no porão exige análise técnica prévia e documentação específica, emitida por profissional habilitado, para garantir que a carga esteja de acordo com as normas de segurança.
“A detecção precoce da situação faz a diferença. Pode ser uma percepção de odores, por exemplo, que gera a consciência situacional da tripulação, um princípio de fumaça, ou um calor excessivo vindo do dispositivo. Por isso, a tripulação precisa estar muito bem preparada”, explica Rayol.

Protocolos em caso de incêndio
De acordo com o especialista, em casos como o que ocorreu no voo KL792, as companhias aéreas seguem protocolos definidos por órgãos internacionais e nacionais. No Brasil, a Anac regulamenta o tema no RBAC 175, alinhado às diretrizes da Icao e da Iata.
Antes do embarque, orienta-se inspeção visual dos dispositivos para verificar danos ou sinais de superaquecimento, além de proteção adequada nos terminais. Durante o voo, recomenda-se evitar cargas prolongadas e nunca deixar o power bank sem supervisão enquanto conectado a outro equipamento.
“Deve-se sempre evitar a carga prolongada, pois corre o risco de bateria superaquecer enquanto o dispositivo estiver carregando. Para evitar isso, precisamos de monitoração da temperatura. Jamais deve-se deixar o power bank sem supervisão enquanto ele estiver conectado a outro equipamento”, recomendou o especialista.
Se houver fumaça ou aumento de temperatura, os procedimentos incluem:
- Desconectar imediatamente o dispositivo da alimentação elétrica.
- Resfriar a bateria, quando possível, com líquidos adequados ou extintor de Halon.
- Isolar o equipamento para evitar reignição.
- Registrar o ocorrido junto ao departamento de segurança operacional da companhia.
Regras e limites
As normas da Iata (Dangerous Goods Regulations) e da Icao determinam que power banks sejam transportados exclusivamente na bagagem de mão, respeitando limites de capacidade e requisitos de certificação. Modelos sem certificação internacional, de baixo custo ou sem sistemas de proteção contra sobrecarga e curto-circuito oferecem riscos maiores.
Rayol defende que restrições podem ser ampliadas para determinados modelos, mas pondera: “É verdade que muitas aeronaves já oferecem tomadas ou portas USB, mas banir totalmente (o uso do power bank) talvez não seja necessário. O mais importante é garantir que apenas equipamentos seguros e certificados sejam levados a bordo”.
O papel da conscientização
Para o especialista, o desafio não está apenas na fiscalização, mas também na educação dos passageiros. “O brasileiro, de forma geral, não tem uma cultura de segurança. É comum ver dispositivos soltos em mochilas, sem proteção alguma. Em uma evacuação, muitos ainda tentam salvar a bagagem, comprometendo o tempo crítico para retirada de todos”, alerta.
Rayol ainda destacou a necessidade de comunicação clara e ativa por parte das companhias aéreas, desde o check-in até o briefing de segurança, além do treinamento contínuo da tripulação. “Informar, orientar e treinar são medidas essenciais para reduzir riscos e evitar que casos como o do voo para Amsterdã se repitam”, conclui.