O Turismo está em plena transição: da sustentabilidade tradicional para o paradigma regenerativo. Se antes a preocupação central era reduzir impactos negativos e racionalizar recursos, hoje a discussão avança para a necessidade de restaurar ecossistemas, fortalecer comunidades e criar valor positivo para os territórios. Esse foi o tom da palestra “Turismo Regenerativo como Agente de Transformação de Destinos”, realizada no Núcleo do Conhecimento durante o 9º Salão do Turismo, realizado no Distrito Anhembi, em São Paulo.
A sustentabilidade ensinou a buscar equilíbrio entre desenvolvimento econômico e social, mas não é suficiente. O turismo responde por 8 a 9% das emissões globais de CO₂, mas ainda não conseguiu garantir resiliência aos recursos naturais. “Não basta mitigar, é preciso regenerar. O turismo deve ser capaz de restaurar e devolver mais do que consome, fortalecendo a biodiversidade e as comunidades”, destacou Luciana Sagi, autora e pesquisadora especializada em turismo sustentável.
O viajante contemporâneo busca experiências que unam descanso, lazer e desenvolvimento, ou seja, que deixem um legado positivo para o destino visitado. O Brasil, com sua diversidade cultural e ambiental, tem uma oportunidade singular de integrar saberes tradicionais, científicos e comunitários em novas formas de turismo. De acordo com Rodrigo Goes, influenciador digital e pesquisador em políticas públicas, a humanidade gerou um desequilíbrio sem precedentes. “O turismo pode ser a chave para inverter esse quadro, fortalecendo áreas protegidas, quilombolas e terras indígenas, criando orgulho e empoderamento para as comunidades”, lembrou o influenciador.
O Ministério do Turismo tem desenvolvido uma série de iniciativas para promover o afroturismo e o turismo de base comunitária através de projetos como o Experiências do Brasil Original, que valoriza e certifica comunidades quilombolas, como o território Laranjituba e África, no Pará, ou o Quilombo do Alto de Santana, em Goiás. Essas ações visam diversificar a oferta turística nacional, valorizar a cultura e ancestralidade quilombola, e gerar renda para essas comunidades.
Outros exemplos de turismo regenerativo são Bonito (MS), com seu controle rigoroso de visitantes, que tornou-se referência em conservação. Já Maragogi (AL) apresenta iniciativas de repovoamento de corais e gestão participativa. “Se conseguimos frear o buraco da camada de ozônio com políticas públicas, também podemos criar políticas capazes de regenerar territórios por meio do turismo”, reforçou Goes.
No caso de São Paulo, o destaque foi para o Polo de Ecoturismo, que abrange Parelheiros, Marsilac e a Ilha do Bororé. Trata-se de uma região com baixo IDH, mas alta proteção ambiental, onde políticas públicas e programas comunitários têm sido fundamentais. Raquel Vettori, gerente na SPturis, apresentou programas como o Semeando Negócios, de aceleração de negócios rurais, e experiências agroecológicas em sítios locai. A iniciativa mostrou como é possível regenerar territórios ao mesmo tempo em que se gera renda. Para os especialistas, essa integração entre políticas públicas, remuneração justa e protagonismo comunitário é central.
O debate reforçou, ainda, que a regeneração não é um modismo, mas uma observação da própria natureza. “O ser humano é parte da natureza e precisa assumir responsabilidade nesse processo. A prosperidade não é apenas material, ela é holística e coletiva. Precisamos ouvir as comunidades, enfrentar injustiças sociais e entender que a regeneração é um processo de longo prazo”, destacou Luciana Delamare, cofundadora e presidente do Instituto Aupaba, organização voltada ao fortalecimento de comunidades tradicionais e à valorização da cultura afro-brasileira.
O consenso foi de que o Brasil tem potencial único para liderar esse movimento, mas que ainda precisa desenvolver indicadores claros para medir o turismo regenerativo e investir em modelos de governança que combinem inovação, saberes tradicionais e políticas públicas. Como sintetizaram os especialistas, trata-se de um momento oportuno: o mundo discute mudanças climáticas, a COP será realizada no Brasil e há disponibilidade crescente de recursos para apoiar iniciativas que transformem o turismo em um verdadeiro agente de regeneração de destinos.
Resiliência
Também no Núcleo do Conhecimento do Salão do Turismo, o painel sobre Resiliência Climática trouxe reflexões urgentes sobre o papel do setor diante da crise ambiental global. A mesa contou com a participação do vereador Gilberto Natalini, de Tatiana Tucunduva Cortese, professora e pesquisadora, e Edson Teixeira Viana Barros, coordenador de Sustentabilidade e Ações Climáticas no Turismo do Ministério do Turismo.
Para Natalini, as mudanças climáticas representam “o maior desafio que a humanidade já enfrentou” e a situação é crítica: “Estamos buscando no planeta mais do que ele pode nos oferecer, caminhando para uma condição muito difícil de sobrevivência. O turismo dispõe de caminhos para que as pessoas ajudem a preservar”, destacou o vereador.
A importância do tema também passa por comunicação e educação. O painel questionou se a academia tem cumprido seu papel em transmitir a urgência da resiliência climática à sociedade. Para Luciana, é preciso aproximar esse debate das pessoas, mostrar que essas questões críticas estão mais próximas do que imaginamos e que a ação precisa ser imediata.
“O financiamento de iniciativas, a comunicação clara e a educação ambiental foram apontados como ferramentas-chave para que o turismo não apenas dialogue com a agenda climática, mas contribua ativamente para soluções”, destacou Barros.