Em um mundo cada vez mais consciente dos desafios ambientais, as principais medidas sustentáveis já não são mais uma tendência ou um diferencial, mas um requisito básico de qualquer empreendimento de sucesso. Na indústria hoteleira, o segmento de luxo desempenha um papel fundamental como vanguarda dessas mudanças, demonstrando para todo o setor que é possível aliar elegância, conforto e boa performance com genuína responsabilidade sócioambiental – indo muito além da substituição das embalagens plásticas de uso único.
Levantamento da Brazilian Luxury Travel Association (BLTA), divulgado em agosto de 2023, revela que o investimento em boas práticas socioambientais acompanham o crescimento de 11,96% no faturamento do setor (R$ 2,2 bilhões). Em apenas um ano, a adoção de sistemas de desligamento automático, por exemplo, aumentou de 55% para 80%. Em números absolutos, houve ainda um incremento significativo de empreendimentos adotando medidas para redução do uso de plástico, 10% a mais em relação a 2021.
As principais práticas de sustentabilidade já estão praticamente consolidadas no setor hoteleiro de alto padrão. O Anuário BLTA 2022, realizado em parceria com o Senac São Paulo, aponta que a vasta maioria dos hotéis de luxo adotam políticas de consumo consciente de energia (93,5%) e água (87%), de redução de plástico (93%), de reuso de resíduos orgânicos (82,6%), entre outras. Fora isso, 83,3% dos empreendimentos associados fazem uso de horta orgânica, 97,8% realizam compras de fornecedores locais e 58,7% possuem iniciativas de apoio e promoção de projetos socioambientais regionais.
Se ainda não está convencido, é importante salientar a relevância que a sustentabilidade tem como um todo, mas principalmente sobre a competitividade dos empreendimentos. Enquanto todo o setor hoteleiro se esforça para se adaptar a esse novo contexto, estar por fora do assunto pode levar potenciais hóspedes a escolherem alternativas mais sustentáveis na região. Isso é ainda mais perceptível no segmento de luxo, visto que o público é mais exigente e menos sensível ao preço.
“Atualmente, é um posicionamento cada vez mais comum escolher a hospedagem baseada em experiências com temas como bem-estar e conexão com a natureza e a comunidade local”, alega Neila Farias, diretora executiva do Instituto Yandê Itacaré e gerente de ESG do Barracuda Hotel & Villas, localizado em Itacaré (BA). “Então, percebemos que esse hóspede é muito mais conectado com comportamentos sustentáveis do que há uma década. Cada vez mais a sustentabilidade social, ambiental e corporativa estão em pauta e são exigidas pelos clientes”, reforça.
Até pouco tempo atrás, o público internacional era praticamente o único que demonstrava alguma preocupação com a sustentabilidade no processo de decisão. “De uns anos para cá, cada vez mais brasileiros têm optado por hospedagens mais sustentáveis e conectadas com a natureza”, relata Patricia Haberkorn, diretora e proprietária da Fazenda Morros Verdes, localizada em Ibiúna (SP). “Acredito que nós mesmos também estamos contribuindo para isso, levando o visitante a refletir sobre sua relação com a natureza, seu consumo e impacto no meio ambiente”, acrescenta.
Indo além, Patrícia enfatiza que luxo é sustentabilidade. “É ter consciência do que você consome, de como a água chega ao chuveiro e para onde vai, o que acontece com o desperdício e as embalagens, quais os impactos de cada decisão”, afirma a diretora do empreendimento que se encontra no interior de São Paulo, em meio à Mata Atlântica. “É muito interessante estar tão perto de uma das maiores metrópoles do mundo e, ainda assim, conseguir proporcionar essa rica e profunda reflexão em cada um dos visitantes”, complementa.
Não é à toa que estão sendo lançados cada vez mais empreendimentos hoteleiros focados nessa temática, atendendo à alta demanda por experiências de conexão profunda com a natureza e as comunidades locais. Os dados do Anuário BLTA 2022 corroboram com essa percepção, visto que hotéis, pousadas e resorts sediados em destinos naturais e no campo tiveram maior taxa de ocupação no quadrimestre compreendido entre junho e setembro do ano anterior, na temporada de inverno.
Essas iniciativas sustentáveis são projetadas desde a concepção da ideia com a questão socioambiental em mente. Planejamento geográfico, iluminação e ventilação natural, cuidado com a fauna e flora local, uso de materiais ecológicos e mão de obra local, e acessibilidade são alguns dos pontos de atenção mais considerados por esses projetos.
É o caso do projeto arquitetônico do Barracuda Hotel & Villas, assinado por Eduardo Leite. “A construção priorizou madeira certificada de demolição, telhados verdes e quase todos os interiores se abrem à natureza por janelões que vão do chão ao teto, com portas de fibras e texturas naturais que permitem que a luz natural e a brisa do mar entrem em todos os cômodos”, revela Neila.
“No paisagismo, aplicou-se a prática da ecogênese, que busca reconstituir áreas nativas de Mata Atlântica previamente alteradas pelo homem, no plantio de 200 mil mudas, além da criação de um viveiro para multiplicação de espécies nativas. Hoje, temos mais vegetação e biodiversidade no local do que antes da construção do hotel”, conta Neila. “O design de interiores considerou obras artísticas e artesanato de todo o Brasil, com destaque para trabalhos locais, conferindo maior originalidade e brasilidade aos ambientes”, acrescenta.
Analisar o espaço antes da obra pode ampliar os resultados e evitar gastos e outros problemas desnecessários. “Realizamos diversos estudos climáticos, de insolação e ventilação para alcançar o melhor resultado energético com estratégias passivas e ativas, como análises de índices pluviométricos e umidade relativa do ar, energia solar fotovoltaica e água quente, inclusão social e materiais naturais locais”, conta Ruy Carlos Tone, sócio fundador do Mirante do Gavião Amazon Lodge, localizado em Novo Airão (AM) e assinado pelos arquitetos Patricia O’Reilly e Armando Prieto, da Atelier O’R Architecture & Partners Sustainable Strategies.
Quanto aos hotéis que já existem, há ainda um oceano de iniciativas eficientes que não envolvem refazer do zero a propriedade. Desde simples adequações e revitalizações até uma vasta gama de medidas sustentáveis. É possível segmentar as principais iniciativas em três blocos: conservação de água e energia, redução do desperdício de resíduos e alimentos, e apoio e envolvimento com a sociedade local.
Com a conservação de água e energia é possível reduzir o desperdício e captar esses recursos de forma sustentável e econômica. Entre as principais medidas está a instalação de painéis solares para aquecimento da água ou até suprir o consumo de energia elétrica, iluminação de LED, sensores de movimento, além de captação e tratamento de ozônio de água da chuva e de poços artesianos.
Quanto ao desperdício de resíduos de alimentos, existem as mais diversas e criativas soluções, como reciclagem, compostagem, hortas orgânicas, uso de Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) locais, embalagens substituídas por papel, vidro ou cerâmica, sistema de controle de desperdícios, conscientização da equipe, entre muitos outras.
Há ainda a possibilidade de valorizar e introduzir insumos locais no cardápio, incentivando produtores locais, regionalizando a experiência gastronômica e garantindo maior sazonalidade e frescor aos pratos.
Por fim, o apoio à sociedade local pode ir muito além da regionalização gastronômica. Entretanto, a realidade de cada propriedade, região e comunidade é diferente, o que exige especial atenção, contato e adaptabilidade. Alguns dos exemplos mais básicos de ações de envolvimento incluem a capacitação da população nativa, priorização de trabalhadores locais, homologação e apoio à iniciativas e fornecedores da região, facilitação de políticas públicas do bairro, abrir espaço para introdução da cultura nativa aos hóspedes, por meio de passeios, workshops, aulas, palestras e comércio.
“Na Fazenda Morros Verdes, criamos recentemente uma experiência onde o hóspede visita um morador, toma um café e conversa. Percebemos que essa experiência é enriquecedora para os dois lados, aproximar o homem da cidade ao homem do campo tem sido maravilhoso”, conta Patricia. “Temos também circuitos de conhecimento, onde o hóspede é convidado a conhecer o plantio, o tratamento de esgoto, a captação de água, experiência de colher a horta. Esse contato próximo pode gerar mudanças na perspectiva e futuras ações dos visitantes”, pontua.
No caso do Barracuda, além de contar com a maioria de residentes na equipe, a rede dá espaço para atividades de lazer e aulas ministradas por locais, como capoeira e surfe, e apoia iniciativas privadas locais. Para ampliar e consolidar todas essas práticas, o empreendimento ainda elaborou uma organização sem fins lucrativos, em 2021. O Instituto Yandê Itacaré, tem o foco na gestão de projetos sociais, ambientais de incentivo ao esporte e cultura, além de promover a educação empreendedora e incentivar iniciativas comunitárias e o desenvolvimento sustentável do município.
Para todas essas iniciativas é imprescindível uma equipe unida e alinhada com tais objetivos. “Quando os colaboradores chegavam, eles questionavam a necessidade de algumas das práticas”, revela Patricia. “Temos treinamentos profissionais, mas a parte da conscientização tem que ser no dia a dia, em qualquer fala, nas soluções e nas pequenas atitudes. É uma coisa que ou se tem ou não se tem, não é uma caixinha separada, mas permeia toda a atividade dentro e fora da fazenda”, salienta a diretora.
“Consideramos cada membro da equipe como um embaixador da nossa missão sustentável”, conta Alex da Riva, proprietário e gestor do Cristalino Lodge. “Todos os colaboradores passam por um programa de treinamento intensivo que inclui educação ambiental, práticas de conservação e manejo de resíduos. Além disso, realizamos workshops periódicos com especialistas em sustentabilidade para manter a equipe atualizada sobre as melhores práticas e inovações na área.”
A certificação também é importante, não apenas para consolidar as práticas e passar credibilidade aos hóspedes, mas também para traçar metas e caminhos. Muitos também apontam que o processo de certificação pode ser limitante, por isso é interessante estudar bem cada projeto e ver se os selos ou a instituição são confiáveis e combinam com o produto.
Há muito o que aprender sobre o tema, visto que todos os porta-vozes dos empreendimentos afirmam ainda estar apenas começando. Embora existam alguns hotéis pioneiros, o assunto é relativamente novo e está ganhando cada vez mais espaço acadêmico, social e mercadológico. Novos projetos formulam e compartilham inovações, inspirando novas gerações a irem adiante na pauta, por um mundo mais sustentável – em todos os sentidos da palavra.
Mirante do Gavião Lodge
Além de arquitetura planejada e práticas comuns, como reciclagem, horta orgânica, reuso de água e uso de PANCs, o Mirante do Gavião conta uma usina solar própria, com 288 painéis solares que neutralizam 100% da energia consumida pelo hotel. O empreendimento atua como mantenedor e patrocinador de algumas entidades da região, como a Fundação Almerinda Malaquias (FAM), a Associação de Artesãos de Novo Airão (AANA) e a Associação de Artesãos da Resex Baixo Rio Branco Jauaperi (AARJ). O apoio do hotel se dá por meio de educação ambiental, geração de renda, turismo de base comunitária, proteção de praias para a reprodução de quelônios, proteção de lagos para a reprodução de pirarucu e construção de escolas, além de aproximar os hóspedes desses projetos e da realidade local.
Barracuda Hotel & Villas
Fora o sistema próprio de purificação e aquecimento de água, lâmpadas LED, compostagem, coleta seletiva, plástico zero e priorização de insumos locais, o Barracuda Hotel & Villas tem laços estreitos com a comunidade local. Por meio do Instituto Yandê Itacaré, o empreendimento apoia os projetos de inclusão social e promoção de cidadania para mulheres, crianças e adolescentes. Com apoio da Associação de Surfe de Itacaré (ASI), o “Surfando com o Futuro” promove aulas de surfe, educação ambiental e acompanhamento psicossocial para crianças carentes, enquanto o “Canoagem Sustentável” subsidia a participação de mais de centenas de crianças em competições, junto à Associação de Canoagem de Itacaré (ACI). Por fim, o instituto também apoia o “Lutar para Vencer” e o “Linhas Conscientes”, que iniciam jovens na filosofia do Jiu-Jitsu e na técnica de modelagem, corte e costura, respectivamente.
Fazenda Morros Verdes
A Fazenda Morros Verdes é um exemplo de integração dos hóspedes com a natureza e a comunidade local. O empreendimento oferece um circuito pelas principais práticas sustentáveis, desde a captação e tratamento de água da chuva e poço artesiano, usina solar, alimentação saudável e proveniente de plantações próprias ou da comunidade local, além de forte controle do desperdício de alimentos. Há, ainda, a experiência de visitar moradores locais, garantindo aproximação da realidade da comunidade de agricultores e produtores orgânicos, principais fornecedores do empreendimento. Os hóspedes podem usar bicicletas para descobrir por si mesmos os sistemas de tratamento de efluentes, permacultura, a cultura da comunidade, além de colher seus próprios alimentos e plantar uma árvore. O hotel ainda incentiva práticas sociais e apoia melhorias do bairro no relacionamento com políticos do município, além da formação de profissionais e priorização de contratação local.
The Brando
Na polinésia francesa, mais especificamente no Tahiti, o The Brando, em colaboração com o Tetiaroa Society, lidera uma série de iniciativas de sustentabilidade e pesquisa que vão além do resort. Isso inclui sistemas inovadores como o SWAC para ar-condicionado ecológico em alto mar (redução de 90% do consumo de energia), redução de aproximadamente 60% de energia consumida, proveniente de mais de quatro mil painéis solares, e gestão e captação de água da chuva e do mar, por meio de dessalinização. O resort também reduz resíduos por meio de triagem e compostagem, e cultiva alimentos em técnicas agrícolas locais e apicultura. Os protocolos de biossegurança protegem espécies nativas. O The Brando também lidera a Blue Climate Initiative para soluções oceânicas para as mudanças climáticas e monitora tartarugas marinhas e tubarões locais. Além disso, está envolvido em programas educacionais para estudantes locais e promove a cultura polinésia.
Vila Foz Hotel & Spa
Localizado na região do Porto, em Portugal, o Vila Foz Hotel & Spa recebeu a certificação da Biosphere por seu compromisso com a sustentabilidade, além de ser o primeiro hotel a atender aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). O hotel adota práticas de eficiência energética, incluindo o uso de lâmpadas LED, sensores e painéis solares para aquecimento de água. A gestão de resíduos é priorizada, com estações de reciclagem e redução do uso de plástico. O Vila Foz também incentiva a mobilidade sustentável com pontos de carregamento para carros elétricos e bicicletas para os hóspedes. A eficiência hídrica é alcançada com redutores de fluxo de água e controle automático do sistema de rega. O hotel também valoriza produtos locais, promove a economia regional e possui hortas orgânicas. Além disso, respeita o patrimônio cultural local e promove a igualdade de gênero, acessibilidade e bem-estar de todos.
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