por Ricardo Hida
“Odete Roitman chegou!” Foi assim que a Globo anunciou, nas redes sociais, o aguardado remake de Vale Tudo, clássico da teledramaturgia brasileira originalmente exibido em 1988. Assim como na primeira versão, a história transita entre Paris e Rio de Janeiro, com destaque para uma companhia aérea fictícia, a TCA, peça central na trama. É praticamente uma novela feita sob medida para o trade turístico.
O impacto cultural da obra é inegável. Recentemente, o presidente da LATAM, Jerome Cadier, em uma declaração atrapalhada e bastante criticada nas redes, culpou a TCA de Vale Tudo por contribuir para a má imagem das companhias aéreas brasileiras. A repercussão foi imediata, com memes multiplicando-se na internet.
Discordo completamente. Foi justamente Vale Tudo que, ainda na adolescência, me inspirou a sonhar com uma carreira na aviação, mais especificamente na Air France. Trabalhar em uma companhia aérea, à época, era sinônimo de status e excelência. A exigência para integrar as equipes era tão rigorosa quanto a qualidade do serviço oferecido. É preciso que Cadier perceba que a crise reputacional de algumas empresas aéreas brasileiras tem outras raízes: tarifas abusivas, atendimento precário e desrespeito com passageiros, agentes de viagem e jornalistas especializados. E tenho como provar, porque, enquanto isso, companhias asiáticas e do Oriente Médio seguem como queridinhas da indústria, com reputação em alta, mantendo padrões elevados de serviço.
Deixando as polêmicas de lado, vale destacar o impacto econômico das novelas. Elas movimentam mercados variados: moda, gastronomia e, notadamente, o de viagens. O Clone fez o Brasil descobrir o Marrocos; a Índia entrou no radar dos turistas após a novela de Gloria Perez , em que o amor de Maya e Bahuan era o tema central. Nesse mesmo sentido, o Jalapão e o Pantanal viram a demanda crescer após serem exibidos na TV.
Essa fórmula – destinos em produções audiovisuais multiplicando viajantes- não é nova, mas continua eficaz. Assim como destinos já investiram para aparecer no cinema, hoje séries como Emily in Paris ou The White Lotus seguem a mesma lógica — com efeitos reais sobre a nossa indústria.
Na versão original de Vale Tudo, Odete Roitman esbanjava o seu francês e mencionava com certa frequência destinos como Gstaad, Courchevel, Nova York e, principalmente, Paris, sede de sua empresa e seu lar. Em diálogos com sua irmã Celina, resenhava hotéis como o Oustau de Baumanière, na Provence, e restaurantes estrelados em Roma. Isso em tempos em que viajar para a Europa era privilégio de poucos, que estampavam as colunas sociais. Marcas de alta costura e esses roteiros indicados na novela alimentavam o imaginário coletivo e, pasmem, geravam vendas para agentes que atendiam a elite econômica e política do país.
No remake de Vale Tudo, ainda não sabemos o que virá a frente e o que será mantido do roteiro original de Gilberto Braga. Mas neste primeiro mês no ar, Manuela Dias manteve diálogos marcantes e atualizou o enredo para os dilemas contemporâneos do setor. A TCA de 2025 opta por um modelo low cost, enfrentando os desafios da escolha, em vez de sequestros de avião, como nos anos 1970 e 1980. Na releitura da novela, há fusões com OTAs e consolidações do mercado que movimentam o núcleo corporativo da trama.
O Rio de Janeiro , ah, segue como cenário de destaque e tem suas belezas exaltadas. Foz de Iguaçu não poderia ter melhor campanha publicitária. A Rede Globo não poupou nas filmagens. A fotografia é hollywoodiana. Paris, por sua vez, continua soberana como destino de elegância e o refúgio de Odete. O maior conflito de um dos personagens, inclusive, gira em torno de morar ou não em um apartamento elegante e caríssimo na Île Saint-Louis — dilema que muitos, inclusive eu, gostariam de ter.
Houve mudanças de destinos nacionais também. Búzios deu lugar a Paraty, e essa última cidade saiu ganhando. As cenas gravadas ali funcionaram como propaganda gratuita e poderosa. Logo após irem ao ar, internautas postavam fotos na cidade e também em Trindade. Outro grande beneficiado foi o Belmond Copacabana Palace, onde cenas luxuosas reforçam sua imagem como ícone da hotelaria nacional. Odete Roitman, além da maior vilã da teledramaturgia brasileira, é a personagem mais sofisticada e exigente de todos os tempos. No universo fictício que se mistura com a realidade, sua chancela ao se hospedar no Copa é emblemática e vale milhões.
A audiência da novela já atinge 24 pontos no IBOPE — patamar semelhante ao do Jornal Nacional. Mais surpreendente é o apelo junto à Geração Z, que redescobre na trama valores, estilo e conflitos ainda muito atuais. Além de uma perigosa identificação com a vilã mirim, Maria de Fátima, interpretada por Bella Campos. Os próximos meses – e capítulos- prometem. Para nós, profissionais da comunicação e do storytelling turístico, trata-se de uma janela de oportunidades que não deve ser ignorada.
P.S.: Trabalhei na Air France nos anos 1990 e, por duas vezes, viajei para Paris no mesmo voo que Beatriz Segall. Estávamos ambos na classe executiva. Ela, com sua elegância inconfundível e francês impecável — e, devo confessar, um leve ar esnobe. Naquelas horas, senti-me parte do universo de Vale Tudo.