BRL - Moeda brasileira
EUR
6,37
USD
5,46
Matheus Alves
Matheus Alves
Repórter - E-mail: matheus@brasilturis.com.br

Pronta para decolar

Em junho de 2025, a Gol Linhas Aéreas encerrou um dos capítulos mais complexos de sua história ao concluir oficialmente o processo de reestruturação financeira nos termos do Chapter 11 do Código de Falências dos Estados Unidos. A medida, protocolada voluntariamente em janeiro de 2024 no Tribunal de Falências do Distrito Sul de Nova York, permitiu à companhia reorganizar suas obrigações financeiras, fortalecer sua estrutura de capital e preservar a operação em meio a um cenário macroeconômico desafiador e instabilidade cambial.

Com o encerramento do processo, homologado pela Justiça norte-americana, a Gol encerra formalmente o procedimento judicial e inicia uma nova fase com liquidez robusta, frota modernizada, aumento na eficiência operacional e participação ampliada do Grupo Abra, holding de aviação que controla também a Avianca e a Wamos.

“Nos seus mais de 20 anos de história, a Gol, companhia precursora do modelo de baixo custo na América Latina, transformou o mercado de aviação da região. Agora, com a conclusão da nossa reestruturação financeira, estamos prontos para avançar no propósito de ‘Ser a Primeira para Todos’”, declarou Celso Ferrer, CEO da Gol, em comunicado oficial da companhia.

“Hoje somos significativamente mais fortes. Racionalizamos nossa frota, otimizamos custos, redesenhamos nossa malha, aprimoramos nosso foco operacional e impulsionamos nossa eficiência administrativa. Isso, aliado a uma demanda robusta e preferência dos clientes, sustenta nosso plano de cinco anos, que contempla novos investimentos em experiência, malha aérea e expansão”, completou.

Reestruturação de dívidas, papéis e governança

Durante o processo, a Gol captou US$ 1,9 bilhão em financiamento de saída (exit financing), montante que foi utilizado para quitar integralmente o financiamento DIP (debtor-in-possession) contratado no início do Chapter 11. Além de preservar a operação regular da companhia ao longo do processo, esse recurso permitiu consolidar uma nova estrutura de capital. A empresa estima uma posição de liquidez de cerca de US$ 900 milhões e uma alavancagem significativamente reduzida de 5,4 vezes, com projeção de queda para menos de três vezes até o fim de 2027.

A companhia  aponta que a capitalização de créditos aprovada pela assembleia geral extraordinária em maio foi essencial para a reorganização societária. O aumento de capital, no valor de R$ 12 bilhões, envolveu a emissão de 8,1 trilhões de ações ordinárias e 968 bilhões de ações preferenciais. Com isso, o Grupo Abra passou a deter aproximadamente 80% das ações da Gol, sujeito ao exercício do direito de preferência pelos demais acionistas.

A operação foi conduzida com apoio do escritório Milbank LLP (assessor jurídico internacional) e das consultorias financeiras Seabury Securities, AlixPartners e BNP Paribas. No Brasil, a assessoria jurídica ficou a cargo do escritório Lefosse Advogados. Já o Grupo Abra contou com a assistência de Wachtell, Lipton, Rosen & Katz e Rothschild & Co, além dos escritórios Pinheiro Guimarães (Brasil) e Slaughter & May (Inglaterra).

Com a capitalização, os papéis da Gol passaram a ser negociados na B3 com nova estrutura a partir de 12 de junho de 2025. As ações ordinárias e preferenciais migraram para os códigos GOLL53 e GOLL54, respectivamente, com cotação por mil ações e novo lote padrão. Já os bônus de subscrição (antes sob o código GOLL13) foram convertidos em GOLL80, mantendo seus termos e condições.

O Conselho de Administração da Gol também passou por mudanças. Ricardo Constantino e Paul Stewart Aronzon apresentaram renúncia aos seus cargos, sendo substituídos por Manuel José Irarrázaval Aldunate. Com a saída de Constantino do cargo, Antonio Kandir foi nomeado vice-presidente do colegiado. Paralelamente, o Comitê Independente Especial — criado para supervisionar aspectos do processo — foi extinto, com a conclusão de suas atribuições.

Retomada

Mesmo passando por um processo de reestruturação, a Gol Linhas Aéreas foi a companhia aérea mais pontual do Brasil em 2024, segundo dados da Cirium Aviation Analytics. No mesmo ano, a empresa foi responsável por transportar 30 milhões de passageiros e operar voos em 65 destinos domésticos e 16 internacionais. Vale dizer que os resultados positivos também refletem nos negócios paralelos da Gol, que mantiveram o ritmo de crescimento. 

A Gollog, unidade logística da empresa, por exemplo, superou pela primeira vez o patamar de R$ 1 bilhão em faturamento anual, com crescimento de 32% em relação a 2023. A divisão detém 36% de participação de mercado e integra a estratégia de diversificação de receitas da companhia. Já o programa de fidelidade Smiles, que celebrou 30 anos em 2024, atingiu 24 milhões de clientes e registrou o maior faturamento de sua história, alcançando R$ 5,3 bilhões.

Com a conclusão do Chapter 11, a Gol aproveitou para reforçar o compromisso de ampliar sua posição no mercado brasileiro e latino-americano, com foco em rentabilidade, conectividade e experiência do passageiro. Um exemplo disso é o contínuo processo de modernização da frota padronizada de aeronaves Boeing 737. Mais de 50 motores passaram por revisão em 2024, e a companhia prevê a entrega de cinco aeronaves 737 Max até o fim de 2025. A meta é ter 100% da frota operacional até o primeiro trimestre de 2026, garantindo eficiência de consumo e maior confiabilidade nos voos.

A companhia também aposta em uma malha redesenhada, com atenção aos hubs estratégicos e rotas de alta demanda. O fortalecimento das parcerias de codeshare e interline com companhias como American Airlines e Air France-KLM continua sendo um diferencial competitivo, permitindo ampliar o alcance internacional da malha com eficiência operacional.

Plano de cinco anos e perspectivas

Com o novo plano estratégico — batizado internamente de “5YP” (Five-Year Plan) —, a Gol pretende impulsionar o crescimento sustentável da companhia com foco em três pilares: aumento da eficiência operacional, expansão da malha aérea e fortalecimento da experiência do cliente.

O desempenho no primeiro trimestre de 2025 já superou as expectativas delineadas no 5YP. A companhia registrou aumento de 17,4% no Ebitda recorrente e de 19,4% na receita líquida em comparação ao mesmo período de 2024, refletindo uma demanda sólida e melhora na performance das rotas reformuladas.

“O apoio dos investidores e parceiros financeiros foi essencial para o sucesso do nosso plano. A estrutura que construímos nos posiciona como uma das companhias aéreas mais competitivas da América Latina”, afirmou Ferrer.

Cenário de consolidação regional

A conclusão do processo da Gol ocorre em um momento de reconfiguração da aviação comercial no Brasil, marcada por sucessivas iniciativas de reestruturação financeira. Após a Latam e a própria Gol, a Azul tornou-se, em junho de 2025, a terceira grande companhia aérea brasileira a acionar o Chapter 11 nos Estados Unidos, consolidando uma tendência de busca por alternativas legais fora do país para lidar com dívidas em moeda estrangeira, contratos de leasing e passivos financeiros com credores internacionais.

O movimento da Azul, embora semelhante ao da Gol em termos jurídicos, apresenta objetivos e proporções distintas. A companhia protocolou um plano pré-negociado com credores, mirando a eliminação de cerca de US$ 2 bilhões em dívidas, com a captação de até US$ 1,6 bilhão em financiamento durante o processo e possibilidade de aporte adicional de US$ 950 milhões em equity. O foco principal da Azul é proteger sua operação internacional e reestruturar compromissos com arrendadores de aeronaves — segmento que representa uma das maiores pressões sobre a saúde financeira das companhias aéreas brasileiras.

Durante a audiência inicial, a Azul obteve autorização para rejeitar contratos de leasing de aeronaves antigas, como o Embraer 195, e modelos fora de operação por falta de peças ou motores. A estratégia da empresa é otimizar sua frota e reduzir a exposição a equipamentos ineficientes, sem comprometer sua malha ou quadro funcional. A companhia também garantiu que manterá a operação regular, o atendimento aos clientes e a integridade do programa de fidelidade, além de reforçar o diálogo com o trade.

A decisão de recorrer ao Chapter 11 está diretamente relacionada a limitações da Lei de Falências brasileira (Lei nº 11.101/2005), que ainda exclui da recuperação judicial créditos estratégicos, como os de arrendamento mercantil. Para companhias com forte dependência de leasing internacional — como Gol, Azul e Latam —, isso inviabiliza renegociações em território nacional e torna o modelo norte-americano mais atrativo. O ambiente jurídico dos Estados Unidos é considerado mais ágil, previsível e eficiente para reestruturar passivos em dólar.

A experiência da Latam, que concluiu seu próprio processo de Chapter 11 entre 2020 e 2022, mostra que a reorganização via corte de dívida e fortalecimento de liquidez pode permitir uma retomada sólida. A holding chilena eliminou US$ 3,6 bilhões em passivos, modernizou sua frota e emergiu do processo com liquidez superior a US$ 2,2 bilhões. Hoje, é vista como referência regional em processos de recuperação bem-sucedidos.

Já a Voepass optou por um processo de reestruturação judicial no Brasil, mas encontrou obstáculos. Em maio, a Justiça negou o pedido de recuperação para as empresas diretamente envolvidas na operação aérea, deferindo apenas às holdings gestoras e financeiras do grupo. A decisão expôs os limites do modelo nacional para empresas de aviação e reforçou a tendência de migração ao modelo norte-americano para reestruturações de maior complexidade.

Gol e Azul

A entrada da Azul no Chapter 11 reacendeu especulações sobre uma eventual fusão com a Gol, hipótese que vinha sendo discutida nos bastidores desde o anúncio do memorando de entendimento (MOU) assinado entre as duas empresas. No entanto, o avanço da crise financeira da Azul e o início de seu próprio processo de reestruturação colocaram essa possibilidade em compasso de espera.

Uma das condições estabelecidas pelos acionistas da Gol e do Grupo Abra é que uma companhia resultante de eventual fusão não poderá ter alavancagem superior à da Gol pós-reestruturação.

A Azul, por sua vez, fechou o primeiro trimestre de 2025 com uma dívida líquida de R$ 31,35 bilhões e alavancagem de 5,2 vezes — um salto de 50,3% em relação ao ano anterior. Já a Gol, antes da conclusão do seu processo, registrava alavancagem de 5,8 vezes e dívida líquida de R$ 31,1 bilhões, com perspectiva de redução para 2,7 vezes até 2027, impulsionada pela quitação do financiamento DIP de R$ 5,1 bilhões e pela capitalização liderada pela Abra.

Apesar do memorando ainda vigente, executivos da Azul afirmaram que o foco da companhia está 100% voltado à sua reestruturação. Na Gol, Celso Ferrer já havia declarado, em ocasiões anteriores, que uma eventual união não era uma necessidade estratégica imediata. Com a empresa agora fortalecida e capitalizada, a tendência é que qualquer movimento de consolidação ocorra somente após o encerramento do processo da Azul e mediante condições que preservem os ganhos de eficiência conquistados.

Setor em busca de estabilidade

Com a saída da Gol e a entrada da Azul no Chapter 11 nos Estados Unidos, temos que três das quatro principais companhias aéreas do Brasil já recorreram ao mecanismo estadunidense de reestruturação financeira. É um sinal de que o setor ainda enfrenta dificuldades estruturais, agravadas por crises sucessivas nos últimos anos, que vão desde a pandemia, câmbio volátil, alta do combustível até problemas na produção de aeronaves e na cadeia global de suprimentos.

Nesse contexto, a conclusão do processo da Gol, vista como bastante positiva pelos executivos da companhia, pode servir de referência para outros players da região, ainda que não resolva sozinha as fragilidades do setor como um todo.

Apesar da retomada da demanda, em especial no mercado doméstico, o ambiente institucional brasileiro ainda é visto por especialistas e executivos do setor como um grande entrave para a aviação comercial, forçando as empresas a apelar para cortes drásticos ou processos de reestruturação no exterior. Embora possível no longo prazo, a consolidação do setor ainda se encontra em xeque. 

 

LEIA MAIS NOTÍCIAS

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem, 
necessariamente, a opinião deste jornal

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

MAIS LIDAS

Greve no aeroporto de Lisboa gera...

Com paralisações até setembro, greve de trabalhadores da Menzies Aviation provoca atrasos e leva brasileiros a perderem voos por falhas no embarque

Clientes da 123 Milhas ganham novo...

Cooperação entre juízes de Belo Horizonte visa padronizar e agilizar trâmite de processos envolvendo consumidores lesados

Brasilturis 898 – Julho 2025

DO JEITO QUE O BRASILEIRO GOSTA - Armadoras investem...

EUA exigirão caução de até US$...

Programa piloto mira estrangeiros de países com alta taxa de permanência irregular e entra em vigor no fim de agosto; brasileiros ainda não estão na lista

Arena Abreu 2025 chega ao fim...

Último dia teve rodada de negócios, ativações culturais e festa de encerramento no Wish Serrano Resort, em Gramado

NEWSLETTER

    AGENDA

    Labace

    REDES SOCIAIS

    PARCEIROS