BRL - Moeda brasileira
EUR
6,31
USD
5,42
Kamilla Alves
Kamilla Alves
Gestora Web - E-mail: milla@brasilturis.com.br

Check-in na lei

A hotelaria brasileira avança para um novo padrão de transparência. Depois de anos marcada por horários desalinhados e conflitos recorrentes na cobrança de diárias, o setor passa a conviver com regras mais claras sobre o tempo real de uso de um quarto e sobre o que está incluído no valor pago pelo hóspede. 

A movimentação ocorre em duas frentes: o Projeto de Lei 4467/24, mais conhecido como PL das Diárias, já aprovado pelo Senado e em análise pelas comissões da Câmara; e a Portaria nº 28/2025 do Ministério do Turismo (MTur), que entrou em vigor nesta segunda-feira (15) regulamenta procedimentos mínimos de entrada e saída nos meios de hospedagem.

O texto do PL estabelece que a primeira diária não pode sofrer redução maior que duas horas, garantindo ao hóspede pelo menos 22 horas de uso efetivo. Também proíbe que o check-out do último dia seja estabelecido para antes do meio-dia, impedindo práticas que encurtavam, de forma desproporcional, o período contratado. A proposta reforça ainda que taxas adicionais, tarifas diferenciadas e condições extraordinárias de uso devem constar expressamente na confirmação da reserva, evitando que as discussões sobre cobrança só apareçam no check-out.

Para o autor da proposta, deputado Marcelo Queiroz, o objetivo é assegurar uma padronização mínima que respeite o direito do cliente de usufruir adequadamente das instalações e serviços contratados, além de reduzir conflitos no balcão. No momento, o texto está sob análise na Câmara dos Deputados.

Em paralelo, a Portaria nº 28/2025 reforça a diária de 24 horas e disciplina a comunicação entre meios de hospedagem e consumidores. A norma permite até três horas para higienização e arrumação sem custo adicional, desde que essa informação esteja clara no momento da contratação. 

Também torna obrigatória a prestação de serviços mínimos de limpeza, troca de roupas de cama e toalhas e determina que horários de check-in, check-out e critérios de cobrança para entrada antecipada ou saída postergada sejam informados de forma explícita, tanto por hotéis quanto por intermediários. Vale destacar que as diretrizes informadas na portaria entram em vigor a partir de 90 dias de sua publicação, ou seja, ainda neste mês.

Esses dois movimentos criam um ambiente mais organizado tanto para quem se hospeda quanto para quem opera hotéis e pousadas, ainda que deixem desafios a serem enfrentados. Para entender o alcance dessas mudanças, suas lacunas e os impactos práticos para o setor, o Brasilturis ouviu o advogado Marco Antonio Araújo Júnior, presidente da Comissão de Direito do Turismo, Mídias e Entretenimento do Conselho Federal da OAB, que analisa o tema sob as perspectivas jurídica, operacional e concorrencial.

Para Marco Antonio, o PL representa um avanço porque “finalmente coloca em lei algo que há anos é motivo de conflito entre hóspedes e hotéis: quanto tempo, de fato, o consumidor tem direito de usar o quarto”. Ele lembra que a Lei Geral do Turismo já fala em diária de 24 horas, mas delega ao hotel a definição dos horários de entrada e saída, o que abre margem para desigualdades. O PL, ao vincular a duração mínima de 22 horas a uma cobrança proporcional, aproxima a regra escrita daquilo que a jurisprudência já consolidou.

Do ponto de vista do consumidor, o impacto é direto. “A grande mudança é que o consumidor deixa de ficar refém daquele check-in às 15h e check-out ao meio-dia sem nenhuma compensação”, afirma o advogado. Ele reforça que qualquer cobrança adicional, taxa de proporcionalidade ou modelo de tarifa deve estar descrito de forma clara na confirmação da reserva. O especialista destaca que isso dialoga com a Portaria 28, que obriga meios de hospedagem a informarem horários e serviços antes da contratação e garante que limpeza, arrumação e troca de enxoval estejam incluídas no valor da diária.

Segundo Marco Antonio, a maior fonte de conflito ainda é a pouca clareza contratual. “Tudo o que impacta o valor final deve ser informado previamente, de modo claro e acessível”, diz. A falta de transparência em relação a tarifas extras, early check-in, late check-out ou frequência de limpeza ainda é o motivo central de disputas em balcões, Procons e tribunais. A portaria tenta organizar esse cenário ao prever que até três horas de arrumação estejam incluídas e que o hóspede saiba com antecedência quando e como os serviços serão prestados.

O especialista também aponta a assimetria regulatória como ponto sensível. “O PL corrige distorções importantes no universo da hotelaria, mas não resolve, sozinho, a discussão sobre locações por aplicativos”, afirma. Isso porque as normas não se aplicam a imóveis residenciais alugados por plataformas digitais, como Airbnb e Booking, criando dois níveis distintos de proteção para o consumidor e duas realidades concorrenciais diferentes.

Outro eixo relevante é a operação dos hotéis. Pequenos e médios empreendimentos podem enfrentar adaptações mais complexas, especialmente diante da necessidade de cumprir padrões mínimos de limpeza, gerenciar equipes enxutas e manter prazos rígidos de rotatividade. Mesmo assim, Marco Antonio avalia que o PL não inviabiliza o setor: “O sistema jurídico está tentando equilibrar. Dá ao hotel um tempo razoável para preparar o quarto, mas impede que isso se transforme em prejuízo para o consumidor”. Para ele, o desafio está na profissionalização interna e no ajuste de processos.

Quanto aos próximos passos, o advogado acredita que haverá um esforço de harmonização entre o PL e a Portaria 28, além de uma discussão mais ampla sobre plataformas digitais. Ele também prevê que, embora o PL reduza litígios sobre a duração da diária, discussões judiciais ainda podem surgir sobre como comprovar horas de uso ou interpretar a proporcionalidade em casos mais complexos. “O projeto tende a reduzir conflitos, mas não encerra o debate”, afirma.

Uma nova lógica para entrar e sair

Embora o Projeto de Lei das Diárias avance no Senado com foco na duração mínima da primeira diária e na proporcionalidade em casos de uso reduzido, as regras que entram efetivamente em vigor a partir de 16 de dezembro são as previstas na Portaria nº 28/2025, publicada pelo Ministério do Turismo para regulamentar os procedimentos de entrada e saída em meios de hospedagem. 

São normas complementares, mas distintas: o PL trata da padronização legal do tempo mínimo de uso, enquanto a Portaria define obrigações operacionais, sanitárias e de informação que impactam diretamente a rotina de hóspedes e estabelecimentos formais.

Para os consumidores, a mudança mais imediata está na maior transparência. A partir de dezembro, os hotéis passam a ser obrigados a informar, antes da contratação, os horários de check-in e check-out e o tempo estimado destinado à limpeza da unidade, que passa a integrar a diária e não pode exceder três horas. 

Isso significa que o hóspede passa a ter a garantia de pelo menos 21 horas de uso efetivo do quarto, podendo ter acesso antecipado caso a acomodação esteja pronta. 

Outras obrigações também se tornam padrão, como a higienização completa da unidade durante a estada, a troca de roupas de cama e a troca de toalhas em frequência adequada ao perfil do estabelecimento. O hóspede pode dispensar esses serviços, se desejar, mas o hotel deve assegurar que a decisão não comprometa as condições sanitárias de outros usuários.

Do lado dos meios de hospedagem, a Portaria exige maior organização operacional e uniformização de condutas. Os horários de entrada e saída passam a depender de comunicação prévia, inclusive quando intermediários como agências e plataformas participam da venda.

 A limpeza precisa seguir critérios claros e previamente informados, e o hotel deve estruturar sua operação para cumprir a limitação de até três horas por diária destinadas à higienização. 

O regulamento também permite a cobrança por early check-in e late check-out, desde que essas condições sejam informadas antecipadamente e não prejudiquem o cumprimento das normas sanitárias. Com isso, hotéis, pousadas, resorts, flats e hostels passam a operar sob um padrão mínimo nacional, sujeito à fiscalização do Ministério do Turismo, que poderá aplicar sanções em caso de descumprimento.

LEIA MAIS NOTÍCIAS

Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem, 
necessariamente, a opinião deste jornal

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

MAIS LIDAS

NEWSLETTER

    AGENDA

    REDES SOCIAIS

    PARCEIROS