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Ricardo Hida
Ricardo Hida
CEO da Promonde, formado em Administração e pós-graduado em Comunicação.

Turismo do Sono: quando o luxo é dormir

Viajar já foi sinônimo de descanso para nossos pais e avós. A geração X e os millennials deram um novo sentido às férias: experiência, deslocamento, aventura e expansão de repertório cultural. Nos últimos anos, porém, para uma parcela crescente de viajantes, viajar passou a significar algo muito mais simples e profundamente necessário: dormir melhor, como faziam nossos ancestrais. Em um contexto no qual os deslocamentos aéreos tornaram-se cada vez mais complexos e estressantes, com atrasos constantes, perda de conexões e crescente redução do conforto a bordo, a hospitalidade emerge como refúgio para uma geração exaurida. É nesse cenário que o sleep tourism, ou turismo do sono, ganha destaque e reposiciona o significado contemporâneo de “viajar bem”.

Segundo pesquisa da Amerisleep, 43% dos millennials norte-americanos utilizaram parte de seus dias de folga remunerados apenas para recuperar o sono perdido. Outros 35% declararam que o principal objetivo das férias foi descansar, sem roteiros intensos, sem grandes deslocamentos, apenas cama, travesseiros ergonômicos e silêncio absoluto. Ninguém mais sorri amarelo ao dizer que não fez nada, a não ser dormir. O dado revela uma mudança importante: se por muito tempo o desejo coletivo era “conhecer o mundo”, hoje cresce aceleradamente o grupo que só quer recuperar o próprio corpo.

Resorts de alto padrão em todo o mundo têm expandido seus investimentos em personalização do sono, conscientes de que uma noite verdadeiramente restauradora pode ser tão valiosa quanto uma praia paradisíaca. E isso vai muito além da iluminação de última geração e dos famosos lençóis com milhares de fios de algodão. Empresas como a Sofitel desenvolveram conceitos de cama que são vendidos para que seus clientes possam ter camas de hotel em casa. Mas dormir em casa não é a mesma coisa. É preciso ter um serviço 24 horas para apoiar tal autocomplacência. E há um elemento simbólico em jogo: o luxo, agora, é poder parar e se afastar do cotidiano. Não por acaso, experiências premium passaram a incluir blackout total, isolamento acústico calibrado, controle automatizado de temperatura, travesseiros de tecnologia avançada e menus de aromas relaxantes, tudo para favorecer as fases profundas do sono.

Alguns players, além da francesa Accor, já compreenderam esse movimento. Hotéis internacionais incorporam Sleep Labs desenvolvidos com médicos e neurocientistas, oferecendo avaliações personalizadas e terapias complementares, da acupuntura ao mindful movement, dos mergulhos frios à fototerapia. O setor tecnológico caminha ao lado: a Eight Sleep captou US$ 100 milhões para desenvolver camas inteligentes com inteligência artificial. Até o mercado de suplementos reposiciona-se, como mostra o recente lançamento do AGZ pela AG1, focado na qualidade do descanso sem uso de melatonina.

Há, no entanto, um desafio estratégico para a hotelaria global, e ele começa no básico. Como promover uma verdadeira experiência de sono quando ainda operamos cafés da manhã que forçam o hóspede a acordar até as 9h30 para não perder o benefício? Será que toda a estrutura operacional está, de fato, preparada para hóspedes que desejam simplesmente dormir? O desenho de produto, os serviços e até os indicadores de desempenho precisam ser revisitados se o objetivo é atender quem busca desligar e paga por isso. Que outros cardápios podem ser oferecidos além do tradicional room service e dos travesseiros? Será possível estender novas ofertas? Aqui, na minha consultoria, viramos especialistas no sono e descobrimos que dormir vai muito além do que se imagina. Inclusive a arquitetura dos quartos prioriza mais a funcionalidade de um escritório do que o aconchego de um ninho.

Para hoteleiros e agentes de viagem, trata-se de uma oportunidade de reposicionamento. A restcation, fusão de rest e vacation, já não é um nicho, mas uma resposta concreta ao excesso de estímulos da vida contemporânea. Em um mercado competitivo, onde a diferenciação se tornou palavra-chave, entregar a melhor noite de sono pode ser o verdadeiro elemento de valor.

No fim, o sonho não é mais um carimbo no passaporte. É acordar renovado. Férias, hoje, são sobre recarregar, literalmente. E talvez a maior experiência de luxo do nosso tempo seja conseguir algo tão simples quanto raro: dormir profundamente enquanto o mundo lá fora continua acelerando.

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