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Maurício Herschander
Maurício Herschander
Repórter - E-mail: mauricio@brasilturis.com.br

Cultura, enologia e IA: veja como foram as conferências do 5º France Excellence

Painéis em São Paulo abordaram desde os diálogos artísticos entre França e Brasil até a reconstrução de Notre-Dame e o uso da inteligência artificial no luxo

O primeiro dia do France Excellence 2025, realizado em São Paulo, foi marcado por uma série de conferências que promoveram o encontro entre tradição e inovação no universo do luxo francês. Especialistas e representantes de grandes instituições e maisons trouxeram reflexões sobre os diálogos artísticos entre França e Brasil, a dimensão espiritual e arquitetônica da reconstrução de Notre-Dame de Paris, a importância da enologia como inspiração e o papel crescente da inteligência artificial na criação de experiências exclusivas. O conjunto de painéis mostrou como o luxo à francesa continua a se reinventar sem abrir mão de suas raízes históricas e culturais.

Legado cultural como fonte de inspiração

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Painel O legado cultural como fonte de inspiração. Crédito: Maurício Herschander/ Brasilturis

O painel “O legado cultural como fonte de inspiração: os diálogos artísticos França–Brasil e sua influência no universo do luxo” trouxe à tona a força do movimento art déco como elo entre os dois países. O historiador de arte Sébastien Quéquet relembrou a Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, em 1925, em Paris, como marco de difusão mundial do estilo. Ele destacou obras icônicas que reforçam sua ligação ao luxo, como o Cristo Redentor, concebido em colaboração entre o engenheiro brasileiro Heitor da Silva Costa e o escultor francês Paul Landowski, além de exemplos internacionais como o Chrysler Building, em Nova York.

Na sequência, Quéquet ressaltou a presença indireta do Brasil na exposição de 1925, por meio de artistas como Vicente do Rego Monteiro e Ivan da Silva Bruhns, que se inseriram em mostras paralelas em Paris. Ele também apontou como arquitetos franceses radicados no Brasil, como Henri Sajous, contribuíram para a difusão do art déco em construções marcantes no Rio de Janeiro e em São Paulo, consolidando a troca cultural entre as duas nações. Essa influência se estendeu ainda ao design, à escultura e ao perfume, símbolos fundamentais do universo do luxo.

O professor João Braga, referência em história da moda, complementou a análise trazendo a perspectiva estética do período. Para ele, o art déco consolidou-se em um contexto de valorização do geométrico, influenciado pelo cubismo, construtivismo e pela descoberta da tumba de Tutancâmon. Braga ressaltou que, no Brasil, além da arquitetura e do Cristo Redentor, houve uma versão genuinamente nacional do estilo: o décor marajoara, inspirado na cerâmica da Ilha de Marajó. Também lembrou a forte herança francesa na moda brasileira, que moldou padrões de elegância desde o início do século XX, em paralelo a estilistas franceses como Jean Patou e Jeanne Lanvin.

Por fim, o arquiteto e curador Filipe Assis, fundador da plataforma Aberto, compartilhou sua experiência de criar diálogos entre arte, design e arquitetura em espaços privados. Ele destacou que escolheu a França para sediar a primeira edição internacional do projeto justamente pela profundidade das trocas culturais entre os dois países. Para Assis, iniciativas como a sua ajudam a renovar o olhar sobre a influência mútua entre Brasil e França, ampliando a difusão da arte brasileira no exterior.

Legado artístico, espiritual e arquitetônico como fonte de inspiração

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Sybille Bellamy-Brown fala sobre a reforma de Notre Dame. Crédito: Maurício Herschander/ Brasilturis

No painel “O legado artístico, espiritual e arquitetônico como fonte de inspiração: Notre-Dame de Paris, inspiração para os construtores de ontem e os criadores de amanhã”, Sybille Bellamy-Brown emocionou os presentes ao relembrar o incêndio de 2019 e destacar o caráter coletivo da reconstrução da catedral. Segundo ela, mais de 850 milhões de euros foram doados por todo o mundo, envolvendo dois mil trabalhadores e 150 empresas na restauração. Esse esforço mobilizou não apenas técnicas ancestrais do século XIII e XIX, mas também a inserção de elementos contemporâneos, como o novo galo em formato de fênix, simbolizando renascimento.

A palestrante destacou que a restauração não se limitou ao aspecto físico do monumento. A igreja católica aproveitou o processo para repensar o interior da catedral, convidando designers e artistas contemporâneos a criar mobiliários e elementos litúrgicos que dialogassem com a tradição gótica. Exemplos incluem o batistério em bronze de Guillaume Bardet e as discretas cadeiras de madeira de Yona Vautrin, projetadas para serem confortáveis, mas quase invisíveis, permitindo que a arquitetura da Notre-Dame permanecesse protagonista.

Bellamy-Brown ressaltou ainda o desejo de tornar a catedral um espaço verdadeiramente aberto a todos: turistas, peregrinos e fiéis. O novo percurso interno foi pensado para guiar os visitantes em uma experiência espiritual e estética, unindo fé, história e beleza. Tapeçarias contemporâneas de artistas como Barceló e Michael Larmitade foram incorporadas às capelas, estabelecendo um diálogo entre passado e presente, e ampliando o caráter de Notre-Dame como fonte de inspiração universal.

Por fim, ela lembrou que a catedral segue em obras, com previsão de conclusão apenas em 2030, mas já reaberta ao público em fases desde 2023.

Quando a IA valoriza o luxo

Painelistas debatem os impactos da IA no luxo. Crédito: Maurício Herschander/ Brasilturis
Painelistas debatem os impactos da IA no luxo. Crédito: Maurício Herschander/ Brasilturis

O painel “Quando a IA valoriza o luxo: como a LVMH cria a experiência do futuro sem renegar sua história” apresentou uma reflexão sobre a integração da tecnologia ao universo do luxo. Olivier Le Garlantezec destacou a grandiosidade do grupo LVMH, que em apenas 40 anos reúne hoje 75 maisons em seis divisões, somando mais de nove mil anos de savoir-faire acumulado. Segundo ele, os quatro pilares que sustentam o grupo — criatividade e inovação, busca pela excelência, espírito empreendedor e impacto positivo — orientam também o uso de novas ferramentas como a inteligência artificial.

Na sequência, Franck Le Moal, CIO do grupo, abordou a aplicação da IA em duas frentes principais: a analítica e a generativa. Ele explicou que, embora à primeira vista luxo e tecnologia possam parecer antagônicos, há uma proximidade natural entre os dois campos, já que o luxo sempre foi pautado pela inovação e pela precisão técnica. A IA analítica já está presente em processos do grupo há cerca de dez anos, sendo utilizada para compreender melhor os clientes, prever ciclos de vendas e otimizar estoques, respeitando a lógica de uma indústria de exclusividade e pequenas séries.

Le Moal apresentou exemplos práticos desse uso, como o recurso a algoritmos de reconhecimento de imagem para analisar a qualidade das uvas utilizadas nas maisons de champanhe, garantindo ainda mais precisão na produção. Ele reforçou, no entanto, que a tecnologia está a serviço dos artesãos, designers e vendedores, com a função de aprimorar o trabalho humano e não substituí-lo, mantendo intocados os valores centrais do luxo: criação, sofisticação e experiência personalizada.

Por fim, Guillaume Ingelaere destacou que a IA generativa representa uma nova fronteira, mas que deve ser aplicada com responsabilidade, sempre como ferramenta de apoio à criatividade e à excelência artesanal. Para os executivos da LVMH, a tecnologia não é um fim em si mesma, mas um instrumento para ampliar a experiência do cliente e sustentar a herança histórica das maisons.

A arte da haute sommellerie

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Sommelier Xavier Thuizat. Crédito: Maurício Herschander/ Brasilturis

No painel “A arte da haute sommellerie: em busca da harmonização perfeita com Hôtel de Crillon – Paris”, o chef sommelier Xavier Thuizat destacou a importância da tradição vitivinícola francesa como parte essencial do patrimônio cultural do país. Ele lembrou que o vinho é uma das três grandes indústrias fundadoras da França, ao lado da aviação e da cosmética, e ressaltou como o savoir-faire acumulado ao longo dos séculos faz com que a enologia francesa viva atualmente um dos seus períodos mais notáveis. Thuizat chegou a afirmar que a safra de 2025 já nasce com potencial lendário, resultado de condições climáticas favoráveis e da combinação entre experiência humana e novas ferramentas tecnológicas.

Ao compartilhar sua trajetória, o sommelier contou que nasceu em Beaune, na Borgonha, e que desde cedo se questionava sobre a singularidade do vinho: por que ele não tem o aroma direto da uva, como ocorre com outras bebidas de frutas? Essa reflexão o levou a compreender a videira como um “elo transcendental” entre a terra e o ser humano, capaz de transmitir a identidade de um território através da uva. Para Thuizat, um grande vinho é a expressão engarrafada de um terroir — a soma de solo, clima, história e cultura — e não deve ser avaliado apenas pelo preço, mas pela sua capacidade de traduzir a essência de uma região.

O sommelier também ressaltou que o vinho é fruto direto da intervenção humana. “Se o vinho fosse natural, seria vinagre”, disse, ao destacar o papel do viticultor como verdadeiro artífice do processo. Ele lembrou episódios históricos, como a criação do vinho de missa que deu origem à denominação Châteauneuf-du-Pape, e a hierarquização dos vinhedos da Borgonha realizada por monges no século XII, que permanece reconhecida até hoje pela Unesco. Para Thuizat, a haute sommellerie consiste justamente em valorizar essa herança ancestral e, ao mesmo tempo, harmonizá-la com a gastronomia contemporânea, oferecendo experiências únicas que unem prazer, cultura e memória.

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