Os românticos que me perdoem, mas há muito tempo vejo os Jogos Olímpicos mais como uma plataforma de diplomacia, política e marketing de nações do que como um evento de confraternização entre os povos. Para os profissionais do Turismo, é sempre um momento de tensão e, muitas vezes, prejuízo, especialmente para agentes de viagens e operadores. Poucos são os que lucram com a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A hotelaria e as companhias aéreas se beneficiam, desde que negociem com antecedência a disponibilidade, principalmente com as delegações, imprensa e agências de incentivo.
A longo prazo, um destino pode ganhar muito ao sediar um importante evento esportivo. Mas isso exige muita reflexão, planejamento e negociação. O turismo de Barcelona atingiu novos patamares após os Jogos de 1992. Courchevel tornou-se o templo do esqui após as Olimpíadas de Inverno, a tal ponto que pleiteou sediar novamente as competições em 2030. O mundo olhou para a China de uma outra maneira a partir de 2008.
Antes mesmo da abertura dos Jogos Olímpicos, as atenções do mundo se voltam para a sede escolhida. Não apenas as revistas de Turismo preparam edições especiais, mas a grande imprensa também se foca no país. Foi assim que Paris agiu. Decidiu acolher os Jogos em 2024 e aproveitar o momento para promover seus valores, história, marcas e cultura, valorizando seu turismo e mostrando-se protagonista do futuro. Apostou alto, arriscou muito e acertou, apesar de muitas críticas. Isso é estratégia.
Paris quis mostrar-se como uma cidade multicultural, diversa e jovem – com escolha de cantores não franceses para seus shows, muitas músicas em inglês. Até então, a capital francesa era reconhecida por seus monumentos seculares, um destino muito mais romântico do que uma capital de balada, como Londres, Nova York ou Berlim. Era vista como um lugar que excluía pessoas, tratava mal estrangeiros e cujos habitantes eram avessos ao idioma inglês.
Decidiu quebrar regras e protocolos. Primeiramente, evitou a armadilha de queixas dos eleitores quanto aos investimentos estratosféricos na construção de estádios e arenas. Quis fazer os Jogos Olímpicos mais sustentáveis da História e, aparentemente, conseguiu. Trouxe à tona a importância das águas doces, tornando o rio Sena o grande palco. Em seguida, quis ocupar toda a cidade, valorizando a arquitetura e a história de cada construção. O governo francês também destacou a Polinésia, com o campeonato de surf.
Procurou discutir equidade de gênero, erguendo estátuas para mulheres importantes na história da França. Escolheram um casal para acender juntos a tocha olímpica, depois de receberem a pira de um atleta centenário, ao lado de atletas paraolímpicos. Em poucos minutos, abordaram etarismo, capacitismo e misoginia. A organização trouxe também discussões sobre homofobia e transfobia. A cena da mesa e dos desfiles não tinha a ver com a Santa Ceia, mas sim com o banquete dos deuses do Olimpo, cuja obra está em um importante museu francês. Bastava ver a figura de Baco e perceber o fato de ter muito mais gente em cena do que na obra de Da Vinci.
Parte do público queria um espetáculo à moda antiga e se decepcionou. Paris resolveu ser uma referência de vanguarda. Vamos falar dos Jogos Olímpicos antes e depois de Paris. Ninguém se lembra dos pontos fortes das aberturas anteriores. Claro que nós, brasileiros, lembramos de elementos do Rio. Mas a maioria da população do planeta, não. No caso de Paris, todos vão se lembrar da primeira abertura fora de um estádio, cheia de provocações e estética não convencional.
E o Brasil? Com exceção das Havaianas, errou feio. Sorte nossa que a competência dos nossos atletas é maior do que a dos nossos marqueteiros. Um evento desse é para mostrar os valores de um país, mesmo para quem não é o anfitrião. Cadê os patrocinadores? A Riachuelo vai entrar para a história como um estudo de caso de antimarketing. Passou semanas respondendo às milhares de críticas pelo uniforme – Gloria Kalil disse que aquilo não é uniforme, é roupa de ficar em casa – criado para nossos campeões. Uma empresa de moda que não tem moda, tampouco estilo, que não seduz. Tudo mulambento, xexelento. Uma marca de roupa que se esforçou para dizer que suas criações são pobres, tristes e apagam as pessoas.
Muita gente esquece que tudo se comunica. Tudo transmite mensagem. Eu digo para meus clientes que silêncio é mensagem. Displicência é mensagem. Nenhuma oportunidade é perdida. Antes fosse. Muita oportunidade é uma arma contra si. Contra a marca. Daí que estratégia é algo que não pode deixar de existir. E de estratégia, Paris entende.
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