As tensões entre autoridades locais e o setor de cruzeiros se intensificaram na Riviera Francesa. No início de julho, o prefeito de Nice, Christian Estrosi, protagonizou uma cena incomum ao abordar de bote o navio Voyager of the Seas, da Royal Caribbean, ancorado em Villefranche-sur-Mer. Em vídeo divulgado pela imprensa francesa, Estrosi declarou à tripulação: “You are not allowed to be here” (“Vocês não têm permissão para estar aqui”).
A tentativa de restringir operações de cruzeiros de grande porte marca uma série de iniciativas que vêm sendo adotadas por cidades como Nice e Cannes, visando combater os efeitos do turismo excessivo, proteger o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida dos moradores. No entanto, a implementação dessas medidas tem encontrado barreiras legais e gerado reações do setor.
Nice aprovou recentemente um decreto que impediria a atracação de navios com mais de 450 passageiros em seu porto e limitaria a 2.500 o número permitido em Villefranche-sur-Mer. A proposta, no entanto, foi suspensa por decisão judicial, que alegou falta de competência da prefeitura para legislar sobre o tema, remetendo o caso à corte administrativa. Já Cannes planeja, a partir de 2026, limitar para um por dia o número de escalas de navios com mais de 3 mil passageiros, com teto de 6 mil turistas por dia.
As restrições vêm em meio a uma segunda temporada consecutiva de protestos contra o overtourism em cidades europeias como Veneza, Barcelona e Amsterdã. Na França, as novas medidas impulsionaram a formação de um grupo de trabalho entre autoridades políticas, empresariais e representantes da indústria marítima, com encontros marcados para julho e setembro. A Clia (Cruise Lines International Association) foi convidada a participar e destacou a importância do diálogo: “O que valorizamos nessa iniciativa é o início de um diálogo coletivo em busca de soluções práticas”, afirmou a entidade.
Enquanto empresas de menor porte enxergam oportunidades nas novas regras, grandes grupos ajustam suas estratégias. A Crystal Cruises, cujos navios comportam menos de 800 passageiros, afirmou apoiar as limitações em portos saturados. Já a Carnival, que mantém apenas um navio na Europa, citou a dificuldade de operar com embarcações maiores em portos tradicionais, o que reforça o investimento da companhia em destinos privados.
Para Sandy Chen, professora da Universidade de Ohio, a mudança de paradigma é inevitável: “O antigo modelo de priorizar volume em detrimento do impacto não se sustenta diante da pressão ambiental e social. A mensagem dos portos europeus é clara: adaptem-se ou fiquem de fora”.
Embora as medidas ainda não inviabilizem totalmente a presença de grandes navios na Riviera, os custos logísticos e as barreiras operacionais crescentes indicam que o futuro da navegação turística na região dependerá cada vez mais da capacidade do setor de dialogar, adaptar-se e investir em sustentabilidade.