Ir e vir é um direito garantido por lei a todos os brasileiros, segundo a Constituição Federal de 1988. Mas, para que pessoas com mobilidade reduzida e deficiência, seja visível ou invisível, tenham esse direito respeitado se faz necessário algumas adaptações. Chamamos este processo de acessibilidade. No Brasil, notas técnicas orientam o que empresas, entidades e estabelecimentos devem fazer para atender a demanda de acessibilidade necessária de acordo com cada caso. Na aviação, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estabelece, por meio da Resolução nº 280, de 11 de julho de 2013, procedimentos relativos à acessibilidade de Passageiros com Necessidade de Assistência Especial (Pnae) ao transporte aéreo, além de outras orientações sobre o tema.

É preciso salientar que as companhias aéreas já vem investindo no atendimento dos Pnae há algum tempo, oferecendo atendimento diferenciado na comercialização de passagens e atendimento ao consumidor, assistência nos aeroportos, aeronaves adaptadas e atendimento de bordo voltado às necessidades especiais dos passageiros.

Porém, é nítido que deve ser contínuo o investimento no tratamento àqueles que por algum motivo, temporário ou permanente, não conseguem exercer sua autonomia como passageiros de forma plena. O Brasilturis conversou com as principais companhias aéreas que atendem no País para entender como elas tratam essa demanda.

Dispondo de um conjunto de serviços voltados a oferecer conforto ao cliente que precisar de um atendimento personalizado, a Tap Air Portugal oferece cadeira de rodas e assistência para passageiros com mobilidade reduzida nos aeroportos e durante o embarque e desembarque da aeronave, assim como atendimento direcionado à pessoas com surdez ou que tenha alguma enfermidade e precise de assistência médica durante o voo. Em qualquer um destes casos, é necessário o preenchimento de um formulário, que pode ser acessado pelo site da Tap, até 48 horas antes do voo. Esse formulário também pode ser solicitado no Contact Center ou pelo próprio agente de viagens.

Para pessoas cegas ou com baixa visão, a companhia conta ainda com informações em braille em aeronaves mais recentes, que detalham o número do assento, indicação de banheiro e fornecem informações úteis para os passageiros. Além disso, colaboradores da Tap acompanham o passageiro durante todo o voo, processo de passagem pela fronteira, resgate de bagagem e alfândega.

Caso seja necessário, a companhia permite levar um animal de assistência como é o caso de cão-guia, cão-ouvinte e cão de serviço. O transporte é gratuito, mas precisa estar de acordo com algumas regras, como ter as documentações necessárias do cão e ser solicitado no prazo de até 48 horas antes da viagem.

Ainda se tratando de companhia intercontinental, a United Airlines se tornou a primeira companhia aérea dos EUA a adicionar braille nas cabines da aeronave – em julho deste ano. Até o momento, 12 aeronaves já foram equipadas com marcações em braille, incluindo números de assentos e sinalização dentro e fora dos lavatórios. A expectativa é que toda a frota principal da United esteja equipada com braille até o final de 2026.

A implementação, que tem o objetivo de  tornar a experiência de voo mais inclusiva, faz parte do projeto que a companhia tem de tornar suas operações acessíveis para todos os passageiros. Aliada a esta iniciativa, a companhia colabora com instituições dos Estados Unidos como a Federação Nacional de Cegos (NFB) e o Conselho Americano de Cegos (ACB), para implementar outros auxílios de navegação tátil em toda a cabine, como letras maiores, números e setas.

Pelo oitavo ano consecutivo, a companhia foi reconhecida como o Melhor Local para Trabalhar para a Inclusão de Pessoas com Deficiência e obteve pontuação máxima na ferramenta de benchmarking Disability Equality Index.

Além das marcações em braille, a companhia também está investindo em soluções acessíveis para seus clientes e funcionários. O aplicativo da United foi redesenhado para facilitar o uso por pessoas com deficiência visual, e as telas de entretenimento de bordo oferecem recursos como legendas ocultas e ampliação de texto. O plano de crescimento da companhia inclui cerca de 700 novas aeronaves até 2032, todas com opções de entretenimento nas telas dos assentos.

Para voos realizados entre territórios nacionais, também há soluções que viabilizam o ir e vir de pessoas com deficiência e mobilidade reduzida de maneira cômoda e satisfatória. Passageiros com autismo têm atendimento gratuito personalizado, em todas as etapas da viagem, na Latam Airlines. Para ter acesso ao serviço, é necessário solicitá-lo previamente no Contact Center. Os cuidados incluem acomodação do passageiro em fileiras próximas da saída da aeronave, de acordo com a cabine de sua passagem. Além de contar com acesso a um balcão de serviços especiais no aeroporto, prioridade no embarque e na retirada da sua bagagem. O transporte em cadeira de rodas e acessórios similares, se necessário, também não é cobrado nesses casos.

O Grupo Latam, inclusive, é pioneiro na América do Sul ao entrar para a rede global Sunflower de Deficiências Ocultas. “Desde 2022 temos avançado para sermos uma companhia cada vez mais inclusiva e acessível. Fomos a primeira aérea da América do Sul certificada pela Autism Double-Checked por treinar mais de 10 mil funcionários no atendimento de pessoas autistas. Também a primeira da região a aderir ao Sunflower, programa dedicado a deficiências invisíveis e que nos ajuda a identificar de forma discreta as pessoas com deficiências que não podem ser reconhecidas a olho nu, com oferecimento de um cordão de identificação”, explica Rafael Walker, diretor global de Customer Care do grupo Latam Airlines.

O uso deste cordão com estampa de girassol informa, discretamente, que a pessoa que o utiliza pode precisar de algum tipo de assistência. No caso de crianças, o cordão pode ser usado pelo adulto responsável. No Brasil, a Latam oferece gratuitamente o cordão nos aeroportos de Guarulhos (SP), Brasília (DF), Congonhas (SP), Santos Dumont (RJ), Fortaleza (CE), Porto Alegre (RS) e Belo Horizonte (MG).

Em caso de surdez, o cliente tem um atendimento automático e interativo em Língua Brasileira de Sinais (Libras) por meio do site nos quiosques dos aeroportos ou canais online da Latam. Durante o serviço, é possível esclarecer dúvidas mais frequentes sobre check-in, bagagem e documentos para viagem. Caso tenha uma questão específica, o usuário tem a opção de se conectar por meio de uma videochamada com um intérprete de Libras, que fará contato com o atendente da Latam para a tradução simultânea, online e humanizada.

Essa assistência também é oferecida pela Azul, que desde 2018 traduz simultaneamente conteúdos do site do português para Libras. A companhia, inclusive, foi a primeira da América Latina a implementar uma ferramenta de acessibilidade para surdos em seu site.  

Além disso, a Azul possui cartilhas com instruções de voo em braille, além de todas as orientações serem faladas e possuírem uma versão impressa. Caso seja necessário, também é permitido o embarque de cão-guia, desde que sigam as regras e tenham as documentações necessárias. Cadeirantes podem levar a sua cadeira de rodas sem custo adicional, mas vale destacar que a Azul disponibiliza cadeira de rodas nos aeroportos e aeronaves. Esse serviço só não está disponível  para os voos operados pela Azul Conecta devido ao espaço interno e à largura da porta de acesso, além da falta de espaço para alocar a cadeira de rodas. 

Passageiros com mobilidade reduzida que precisem utilizar um assento extra tem desconto na aquisição, além de poder solicitar o extensor de cinto de segurança. Inclusive, a companhia disponibiliza cinto de segurança de três pontas para clientes que precisem de sustentação  como paraplégicos e tetraplégicos, mas entra naquela máxima de que é necessário avisar com antecedência do voo. 

Buscando se tornar referência no deslocamento aéreo e na segurança dos Pnae, a Gol investe em um plano de ação baseado em três pilares: comportamento, processos e regulamentação. Através desse projeto, a companhia aérea promove o engajamento dos colaboradores por meio de treinamentos e ações de conscientização; realiza constante melhoria na acessibilidade de aeroportos, na comunicação com o público Pnae e na formação de equipes especializadas; além de participar de reuniões e fóruns com órgãos reguladores, outras companhias aéreas e representantes dos aeroportos para promover a discussão acerca de melhorias na acessibilidade do setor. 

Em um levantamento realizado ao longo do último ano, clientes Pnae que viajam pela Gol tiveram – e têm – acesso a rampas de acesso às aeronaves nos aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ); cadeira de rodas e elevador portátil em todas as bases nacionais; cartão de instruções de emergência em braille, além de ser permitido o transporte de cão-guia na cabine e passageiro em maca.

“Entendemos que temos o dever de ser agentes de transformação e não poupamos esforços para ser uma empresa diversa e inclusiva. Isso é parte do DNA da Gol. Consequentemente, nós acreditamos em ações que promovam as pautas de acessibilidade, entre outras, em nosso dia a dia. Além das ações citadas, possuímos o projeto Asas à Transformação, que consiste na estruturação dos Grupos de Afinidade Gol, abrangendo cinco temáticas: Gerações (Todos a Bordo); LGBT+ (We Pride); Equidade de Gênero (Elas Decolam); Acessibilidade (Voo Livre); e Equidade Racial (Cores e Elos), promovendo rodas de conversa, letramentos e discussão de pontos envolvendo sua temática”, ressalta Felipe Sobrinho, gerente de ESG da GOL.

Para Ricardo Shimosakai, especialista em Acessibilidade, Inclusão e Turismo, as empresas aéreas que atendem o Brasil conseguiram otimizar os serviços que dizem respeito ao atendimento do cliente, mas ainda têm algumas barreiras a serem superadas.

“As deficiências são diversas. A forma que a empresa vai atender um cadeirante, como é o meu caso, ou um cego, por exemplo, são distintas de como será tratada uma pessoa com Síndrome de Down, um idoso ou, ainda, uma pessoa obesa, já que todos estão inclusos na questão da acessibilidade. Então, só a partir deste ponto de vista já dá para entender que as soluções para cada caso são diferentes”, pontuou Shimosakai.

A solução primária, na perspectiva do especialista, é transversalizar o tema acessibilidade para todas as etapas que o cliente precisar realizar. Investir em treinamentos recorrentes, realizados com profissionais especializados em inclusão, e que passam por reciclagens ao longo do tempo para identificar possíveis melhorias no processo é uma das soluções apontadas pelo especialista. “Acho que a gente está em uma escada rolante. Porque sempre vão vir soluções, mas as coisas mudam, assim como os conceitos. Então eu vejo a inclusão como uma constante evolução, a gente nunca vai chegar lá no topo”, explicou.

Para o colunista do Brasilturis, o maior desafio é garantir que a sua dignidade seja respeitada. “As empresas não costumam ver a pessoa com deficiência como um consumidor e isso precisa mudar. Isso não é uma opção, é uma obrigação.”