Nos últimos meses, os jogos de cassinos virtuais, apesar de não estarem legalizados, vêm conquistando muitas pessoas. O jeito lúdico dos gatilhos de sons e imagens durante as apostas chama atenção e atrai os apostadores a realizarem aquela fé e confiarem na possibilidade de dinheiro extra. O Fortune Tiger – que ficou mais conhecido como Jogo do Tigrinho – é um exemplo desses games que se tornou viral na internet, sobretudo após inúmeros vídeos publicitários de influenciadores digitais. Mas por quais motivos eles atraem tantos usuários?

“O mecanismo busca ativar o sistema de dopamina, assim como qualquer marca. Não vemos a Coca-Cola fazendo propaganda com ofertas; eles instalam gatilhos de família, churrasco, e quando você está nesses ambientes, o cérebro associa a lembrança da marca e sente vontade de tomar. Na aposta, a liberação de dopamina é intensa devido às oscilações entre ganho e perda, euforia e frustração”, analisa Ricardo Santos, cientista de dados especialista em análise estatística para apostas esportivas em Futebol e fundador da Fulltrader Sports.

O profissional ainda destaca que a falsa sensação de controle perpetua esse ciclo vicioso. “Você acredita que é você quem está no controle, que ao apertar o botão você pode mudar o resultado. Essa falsa sensação de controle alimenta a esperança de que você vai ganhar, mesmo que matematicamente seja impossível”, complementa. 

Este modelo de aposta não está incluído na Lei 13.756 de 12 de dezembro de 2018, que regula a modalidade denominada “aposta de quota fixa”. Em suma, são apostas relativas a eventos reais de temática esportiva.  Um exemplo é uma partida de futebol, no qual o torcedor aposta no time em que acredita que será o vencedor. Neste caso, o apostador está ciente das métricas de probabilidades de vitória e da quantia que receberá, caso acerte o palpite.  

Essa movimentação, considerada o pontapé inicial, permitiu que empresas internacionais oferecessem serviços dentro do País para jogadores brasileiros. Contudo, uma das condições para isso envolve o licenciamento e, o Brasil, ainda não emite qualquer tipo de licença. Por isso, reconhece concessões internacionais. 

O impacto e a movimentação financeira deste modelo de aposta é significativo e o Brasil já se posiciona dentre um dos principais mercados de aposta. Segundo um estudo de 2022 da Entain, uma das maiores empresas de apostas esportivas do Reino Unido, o Brasil ficou em 10º lugar no ranking mundial, com receitas brutas de US$ 1,5 bilhão. Esse alavancamento se mostra ainda mais exponencial se analisado o fato de que, em 2021, o Brasil não figurava entre as 15 primeiras posições. 

A estimativa é que o mercado global atinja a marca de US$ 103,74 bilhões até 2028, com um crescimento anual composto (CAGR) de 11,34% nos próximos cinco anos. Essa previsão reflete a crescente popularidade dos serviços em todo o mundo, impulsionada pela ampla acessibilidade à Internet.

De acordo com a União Internacional de Telecomunicações (UIT), o número de usuários de Internet em todo o mundo ultrapassou a marca de 5,3 bilhões em 2022, proporcionando uma base ampla para o crescimento do mercado de jogos. O advento dos smartphones contribui significativamente para essa tendência, facilitando o acesso dos usuários aos jogos de loteria baseados em aplicativos móveis, oferecendo conveniência e conforto aos jogadores.

Na região Ásia-Pacífico, as apostas esportivas têm ganhado destaque, com exemplos como o volume total de apostas da Associação Japonesa de Corridas (JRA) em corridas de cavalos atingindo 3,25 trilhões de ienes. Enquanto isso, na Europa, jogos instantâneos baseados em sorteios e raspadinhas têm crescido em popularidade, impulsionando o mercado de jogos de azar online na região.

Perfil de jogador

Uma pesquisa realizada pela Datahub –  com dados coletados, entre novembro de 2022 e julho de 2023, de 10 milhões de pessoas responsáveis por 55 milhões de apostas – revelou que cerca de 2,5 milhões de pessoas, o equivalente a 23,84% dos usuários dos sites de apostas, são beneficiárias de programas sociais do governo. Dentre esses, 17,97% são beneficiários do auxílio emergencial, 4,69% do bolsa família, 0,8% da prestação continuada, 0,24% do garantia safra e 0,14% do seguro defeso. Além disso, a maioria esmagadora dos usuários pertence à faixa de renda de até R$ 1,5 mil, representando 36% do total.

A análise também revelou que a faixa etária mais comum entre os apostadores é de 28 a 36 anos, abrangendo 31,84% da base. Em seguida, estão aqueles com idade entre 22 e 27 anos, com 28,02%, e os de 37 a 45 anos, com 19,37%. Também foram registradas participações de idosos, com a faixa etária de 71 a 90 anos representando 1,73% dos usuários.

Outros dados alarmantes incluem a presença de 2,06% de menores de idade, apesar da proibição legal para apostar abaixo dos 18 anos, e uma pequena parcela que se declarou atleta ou familiar de esportista, totalizando 0,2% dos usuários.

O mercado de apostas online continua a ser predominantemente masculino, com 69,11% dos usuários sendo homens, enquanto as mulheres representam 30,88%. Geograficamente, a região Sudeste concentra a maior parte dos apostadores, com 46,93%, seguida pelo Nordeste, com 26,47%, Sul com 11,25%, Centro-Oeste com 7,94% e Norte com 7,41%.

Regulamentação definida

A princípio, a legalização das apostas foi parcial. No entanto, em 30 de dezembro de 2023, foi sancionada a Lei 14.790, que regulamenta a tributação das apostas esportivas, bem como a taxação dos jogos e apostas online, incluindo os cassinos virtuais. Após a vitória de 292 votos favoráveis contra 114 contrários na Câmara, a sanção veio sob alguns vetos, incluindo a participação dos perfis abaixo:

  • proprietários e pessoas que trabalham em empresas de apostas; 
  • agentes públicos ligados à regulamentação e à fiscalização do mercado de apostas;
  • pessoas que tenham acesso ao sistema informatizado de apostas; 
  • pessoas com influência sobre o resultados de jogos, como dirigentes esportivos, árbitros e atletas; e 
  • pessoas diagnosticadas com ludopatia (compulsão por jogos de azar).

Esta nova lei exige que as empresas (com sede e administração no território nacional) paguem até R$ 30 milhões por uma licença – da qual o Ministério da Fazenda ainda analisa se haverá a necessidade de ser renovada periodicamente. Além disso, a lei prevê um imposto de 12% sobre as receitas brutas de jogos. 

A Lei 14.790/2023 que regulamenta as apostas onlines determina que 88% da arrecadação seja destinado à cobertura de despesas de custeio e manutenção do agente operador da loteria, enquanto os outros 12% ganham outros destinos, principalmente interministerial:

  • 10% para a área de Educação; 
  • 13,6% para a área da Segurança Pública; 
  • 36% para a área do Esporte; 
  • 10% para a Seguridade Social; 
  • 28% para a área do Turismo (5,6% para a Embratur e 22,4% para o MTur); e 
  • 1% para medidas de prevenção, controle e mitigação de danos sociais advindos da prática de jogos, nas áreas de saúde.

Ricardo Santos destaca que a taxa Gross Gaming Revenue (GGR) de 12% proposta para as apostas esportivas no Brasil, comparando-a favoravelmente com outras nações que obtiveram sucesso nesse setor. “Sendo sincero, essa taxa de 12% é bastante razoável, especialmente quando comparada com outros países onde as apostas esportivas floresceram”, comentou Santos. “Por exemplo, na Inglaterra, uma das pioneiras nesse mercado, também é aplicada uma taxa de 12%. Então, nesse aspecto, o Brasil está no caminho certo.”

Ele ressaltou que essa taxa competitiva coloca o Brasil em uma posição favorável em relação a outros países que enfrentaram desafios com suas legislações sobre apostas esportivas. “Comparando com lugares como Portugal e diversos outros países onde as apostas tiveram dificuldades, podemos ver que o Brasil acertou em cheio com essa taxa”, afirma. 

Ainda ao analisar o cenário português, Santos ressaltou a importância da taxa de canalização, que representa a porcentagem de jogadores que apostam em operadores regulamentados. “Em Portugal, onde essa taxa é cerca de 60%, a falta de concorrência devido ao monopólio estatal resultou em uma alta taxa de apostadores recorrendo ao mercado ilegal. Por outro lado, no Reino Unido, onde a taxa de canalização chega a 95%, a abordagem mais liberal permitiu que várias empresas competissem no mercado, resultando em uma ampla aceitação de apostas regulamentadas”, explica. 

Santos reconheceu o potencial do Brasil para se tornar um dos maiores mercados de apostas do mundo, desde que a regulamentação seja equilibrada. Ele enfatizou a importância de aprender com os erros e sucessos de outros países, a fim de estabelecer um ambiente regulatório que incentive a concorrência, a participação dos jogadores e o crescimento do mercado de apostas esportivas no Brasil.

Ainda de acordo com Santos, “o ponto mais crucial da discussão reside na forma como os apostadores serão tributados”. Ele explicou que, embora a taxação sobre as casas de apostas esteja dentro de parâmetros aceitáveis, o problema surge quando se trata da tributação dos ganhos dos apostadores. Isso porque, antes de ser sancionada pelo Presidente da República,  foi vetado o trecho que previa que prêmios de até R$ 2.112 (primeira faixa da tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física) ficassem livres de tributação já que, segundo o Governo Federal, esse trecho feriria a “isonomia tributária”. Por isso, a previsão é que os jogadores sejam taxados em 15% sobre os ganhos. 

“A lei aprovada pela Câmara e pelo Senado determinava que o imposto seria aplicado apenas sobre os lucros dos apostadores, seguindo uma alíquota de 15%”, destacou Santos, que argumenta que essa mudança inviabiliza matematicamente a rentabilidade das apostas esportivas. “Imagine um apostador com uma taxa de acerto de 50%. Com a nova forma de tributação, ele acabará perdendo dinheiro a longo prazo, mesmo mantendo a mesma taxa de acerto”, ilustra.

O especialista também ressaltou que esse cenário pode impulsionar o mercado ilegal de apostas, já que os apostadores buscarão alternativas fora do alcance das autoridades brasileiras. “O Brasil corre o risco de perder receitas significativas e de afastar investidores do mercado legal de apostas”, alertou Santos. Ele enfatizou a necessidade de revisão dessa medida para garantir um ambiente competitivo e sustentável para as casas de apostas e os apostadores brasileiros.

Cassinos chegando

Com a tributação regulamentada dos jogos online, o próximo passo: a chegada dos cassinos físicos em grandes resorts. É isso o que aborda as novas emendas do Projeto de Lei 442/91 aprovadas pela Câmara dos Deputados. Relatadas pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE), as alterações no PL – além de revogar o Decreto-Lei nº 9.215, de 30 de abril de 1946 (que proíbe a prática ou a exploração de jogos de azar em todo o território nacional), e dispositivos do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais), e da Lei nº 10.406, de 19 de janeiro de 2002 (Código Civil)” – regulamenta os chamados “resorts integrados”, ou seja, empreendimentos hoteleiros com área para apresentações artísticas e realização de eventos e a exploração de cassinos.

“Atualmente jogos e apostas, em sua maioria, operam no Brasil de maneira informal, não pagando nenhum tipo de tributo. Com o crescimento das apostas online, há competição entre jurisdições (um brasileiro consegue facilmente apostas em sites estrangeiros). Esses fatores fazem com que o setor tenha elevada elasticidade tributo emenda, de forma que o tamanho do mercado é bastante sensível ao peso da tributação”, relata Carreras. 

O relatório ainda propõe uma alíquota fixada em 17% para os jogos, bem como taxa de fiscalização para emissão da licença. Já a incidência do Imposto de Renda sobre as pessoas físicas ganhadoras será de 20% em cima do ganho líquido, ou seja, sobre o prêmio deduzido do valor pago para apostar ou jogar, com isenção caso o valor do ganho líquido seja de até R$ 10 mil. 

Bruno Omori, presidente do Instituto de Desenvolvimento, Turismo, Cultura, Esporte e Meio Ambiente (IDT-CEMA), ressalta que a legalização dos jogos de azar abrirá novas oportunidades de negócios para hotéis, restaurantes e parques temáticos em todo o País.”Essa legislação proporcionará um novo impulso ao turismo nacional, transformando cidades em centros de entretenimento e atraindo investimentos significativos”, avalia.  

Omori afirma que a regulamentação dos cassinos físicos trará benefícios significativos para o setor de Turismo, atraindo investimentos estrangeiros estimados em R$ 70 bilhões. Ele enfatiza que há interesse de diversos grupos hoteleiros e investidores internacionais em estabelecer empreendimentos de grande porte, seguindo modelos bem-sucedidos em outras partes do mundo, como Las Vegas e Singapura.

O Projeto de Lei chega com determinadas condições, incluindo a limitação de cassinos, sendo permitido apenas um em cada estado, com exceção de Minas Gerais e Rio de Janeiro, que podem dois em cada estado, e São Paulo, com limite para até três casas de apostas. Vale destacar que, neste caso, o mesmo grupo econômico não poderá ter mais de um estabelecimento no mesmo estado. Além disso, o credenciamento será realizado por leilão público. Os interessados deverão apresentar capital acima de 10 milhões e garantias para pagamentos de obrigações previstas no projeto. 

Outro ponto importante é que os cassinos turísticos poderão ficar em áreas definidas como Patrimônio Natural da Humanidade e, no Brasil, sete se encaixam neste perfil. São elas: 

  • Fernando de Noronha;
  • Parque Nacional do Iguaçu;
  • Pantanal;
  • Parque Nacional de Anavilhanas;
  • Costa do Descobrimento; e
  • Áreas protegidas do cerrado e da mata atlântica.

Os navios de cruzeiros estão autorizados a ter cassinos, mas não poderão permanecer ancorados no mesmo lugar por mais de 30 dias. 

Quanto aos bingos, o Projeto de Lei prevê autorização de até 400 máquinas de vídeo-bingo em um estabelecimento a cada 150 mil habitantes apenas em locais específicos ou em estádios com capacidade acima de 15 mil torcedores, condicionado à concessão de R$ 10 milhões. 

Já para o Jogo do Bicho deve ser precedido de capital integralizado de R$ 10 milhões, com número de licitação condicionado ao critério populacional (para cada 700 mil habitantes poderá ser concedida uma licença), além de ser informatizado e com acesso online pela União por sistema de auditoria e controle. Os caça-níqueis, por sua vez, permanecem proibidos.

Para garantir as normas, Omori destacou a necessidade de uma estrutura regulatória sólida, com a criação de uma Agência Nacional de Jogos, que será responsável por supervisionar e regulamentar o setor, garantindo transparência e equidade. “É essencial encontrar um equilíbrio para garantir um ambiente competitivo e sustentável para o mercado. Devemos evitar uma carga tributária excessiva que possa prejudicar o crescimento do setor”, avalia. 

As alterações do Projeto de Lei 442/91 prevê que, dos recursos provenientes da Cide-Jogos (incluindo a taxa de licenciamento), 12% será destinado para a Embratur. De acordo com Omori, se cada concessão de cassino integrado poderá gerar até R$ 100 milhões em impostos, o resultado é uma receita substancial para o governo e, consequentemente, para o Turismo. Além disso, o executivo contabiliza a geração de, aproximadamente, 10 milhões de empregos.

Santos também possui uma visão otimista sobre o potencial dos grandes hotéis com cassinos para impulsionar a economia brasileira e enfatizou a perspectiva de criação de empregos e movimentação econômica que esses empreendimentos poderiam trazer para o país. 

“Para mim, isso vai gerar muito emprego e muita movimentação na economia. É um grande mercado de Turismo aqui para o Brasil”, declarou Santos, expressando sua confiança no futuro do setor. Ele previu a possibilidade de ver cassinos em regiões como o Nordeste e o Sudeste do Brasil, em paraísos à beira-mar, e até mesmo aventurou a ideia de um dos maiores cassinos do mundo sendo estabelecido no País.