Impulsionado durante a pandemia, o Turismo de Natureza e suas derivações ganharam força e, agora, ocupam cada vez mais terreno no mercado. Focados em garantir que a atividade do Turismo seja realizada causando o mínimo de impacto ambiental, o turismo sustentável já encontra aliados em toda a cadeia produtiva do setor. 

E para um País que é reconhecido mundialmente por suas belezas naturais, este cuidado com o meio ambiente é mais que apenas relevante; é crucial para que a roda da indústria possa continuar girando por um longo tempo. Vale destacar que, segundo o Conselho Mundial de Viagens e Turismo, o setor é responsável por 8,1% da emissão de gases de efeito estufa em escala global. 

Atualmente, o próprio consumidor já exige que o estabelecimento, acomodação, destino ou atrativo tenha práticas sustentáveis – chegando a filtrar se o empreendimento tem selos de certificação como o Green Key, que garante ao cliente que a operação utiliza métodos e tecnologias ecologicamente amigáveis e sustentáveis, buscando reduzir o uso geral de recursos. 

Segundo levantamento do Sebrae, com apoio do Ministério do Turismo (MTur), o Turismo de Natureza e o Ecoturismo já representam 60% do faturamento do setor. O levantamento, chamado Ecoar, ouviu cerca de 3,2 mil empresários do segmento e apontou que o Ecoturismo já é oferecido por 65,9% das empresas da indústria de viagens.

Em janeiro deste ano, o Turismo de Natureza já era visto como uma tendência para 2024, figurando numa pesquisa do MTur como o segundo mais procurado com 27% da preferência dos entrevistados – atrás apenas do Turismo de Sol e Praia, favorito por 59% dos entrevistados. 

Dentre os estados com maior atuação no ecoturismo está o Mato Grosso, com 85,9% das empresas entrevistadas envolvidas com o produto. O Mato Grosso do Sul ficou em segundo lugar, com 83% das empresas do estado atuando com ecoturismo, e, na sequência, o Rio de Janeiro, com 54,9% das empresas voltadas para o segmento. Caminhadas, trilhas, observação de vida silvestre, cicloturismo e montanhismo estão entre as atividades mais ofertadas no segmento. 

Os dados já comprovam a mudança na mentalidade do viajante, que busca cada vez mais o envolvimento com propósitos sociais e ambientais, gerando assim o aumento da demanda por práticas responsáveis que contribuam para a preservação ambiental, além do desenvolvimento social e cultural. Sem falar nos benefícios para a economia da região, visto que este tipo de turista costuma consumir de mercados locais, fazendo os recursos circularem e criando, dessa maneira, oportunidades fora da rota comercial tradicional.

Guardiões do Clima

Agora, imagine toda essa estrutura ecologicamente amigável aplicada em um destino. É isso que propõe o projeto Destinos Turísticos Guardiões do Clima, promovido pelo Movimento Mecenas da Vida. A iniciativa faz parte do programa Turismo CO2 Legal Guardiões do Clima e tem como base práticas de ESG territorial para desenvolver projetos sustentáveis por meio de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) a partir do turismo.

A proposta atua na promoção da cidadania climática, captando recursos embutidos nos pacotes turísticos dos visitantes e transferindo-os ao financiamento de projetos de conservação e restauração de florestas, de fomento à produção agroecológica, de fortalecimento do meio rural, entre outras ações de sustentabilidade. Para isso, propõe a criação de um amplo sistema de valor compartilhado, engajando diversos atores sociais para atuarem de forma colaborativa e integrada. 

De um lado estão os empreendimentos, turistas, moradores e proprietários de imóveis rurais, que devem compensar as emissões de Gases de Efeito Estufa, emitidas, respectivamente, na operação do negócio, nas viagens ou pelo modo de vida. Enquanto agricultores e populações tradicionais recebem Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) num valor fixo de R$ 400 e também precisam executar um conjunto de ações para compensar as emissões de Gases de Efeito Estufa.

São empreendedores do trade turístico, turistas, moradores locais, comunidades rurais, populações tradicionais, poder público e organizações da sociedade civil atuando em conjunto para construir, nos destinos turísticos, uma governança que dará suporte à implementação das práticas ESG territorial. A ativação do programa impulsiona, inclusive, a implementação da Agenda 2030 da Onu no Brasil, já que incide sobre dez Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

“Nossa meta para os primeiros dois anos é implementar 10 Destinos Turísticos Guardiões do Clima no país”, contou Salvador Ribeiro, cofundador do Movimento Mecenas da Vida.  Itacaré, na Bahia, foi o primeiro destino a receber ativações do projeto no Brasil. E, ao longo de abril, estão previstas ativações em Caraíva-Trancoso, também na Bahia, e  em Jericoacoara, no Ceará.

A iniciativa já é reconhecida por grandes prêmios do setor, incluindo o WTM Latin America Responsible Tourism Awards, em 2022, no qual foi campeão da categoria Descarbonização de Viagens e Turismo.

Biofábrica de Corais – Porto de Galinhas (PE)

Em Porto de Galinhas, uma das praias mais famosas de Pernambuco, uma iniciativa pioneira no Brasil atua recuperando as formações de corais através do turismo regenerativo. A Biofábrica de Corais nasceu em meados de 2015, como um sonho de Rudã Fernandes, doutor em Ciências Biológicas. O que seria um objeto de mestrado foi lançado como startup em 2022 e, em 2023, levou para casa o Prêmio Nacional de Turismo, promovido pelo governo federal. A biofábrica foi a vencedora da categoria “Turismo sustentável e ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas”.

“Acho que a maior importância do prêmio é dar uma direção do que pode ser o futuro. Estamos crescendo e aprendendo a lidar com o turismo, mas ganhar um prêmio desse valida nosso trabalho e abordagem. E, de certa forma, diz para todo o setor que é preciso olhar para as atividades regenerativas, indicando que este é um caminho com uma perspectiva e prioridade”, destacou Rudã, CEO e fundador da Biofábrica de Corais.

A empresa trabalha com turismo regenerativo, uma forma de turismo em que os visitantes participam de ações de proteção ao meio ambiente durante a visita a algum destino turístico, como forma de unir a atividade econômica à preservação ambiental. 

Internacionalmente famosas, as piscinas naturais de Porto de Galinhas encantam milhares de turistas em passeios náuticos ano a ano. A atração principal do destino, formada por corais a poucos metros da costa, depende da preservação desses recifes para sua beleza e existência. A grande quantidade de visitantes, embora traga recursos e renda para a cidade, também coloca em risco o frágil equilíbrio desse ecossistema.

Questionado sobre a relação com jangadeiros e o turismo tradicional da região, Rudã explicou que a relação é positiva e nutrida diariamente. “Contamos com o apoio da Luck (agência de viagens) e da associação de jangadeiros, que fomentam e operam algumas de nossas atividades. De forma geral, a gente vai apostando no diálogo e em mostrar a importância do nosso trabalho e como o ambiente ficar sem coral pode afetar na qualidade de vida de todas as pessoas que dependem dos recifes de corais”, contou.

Desde sua implantação, cerca de 200 bioturistas e dois mil tutores de corais já participaram do programa. Em relação à quantidade de corais plantados e salvaguardados, este número está próximo de sete mil fragmentos. “Aos turistas, fica a mensagem de que todos podemos contribuir para a restauração dos corais, não é algo distante e exclusivo de pesquisadores, biólogos e afins”, frisa.

O processo de replantio envolve resgatar o coral, fragmentá-lo em vários e cultivar em uma espécie de berçário por cerca de três meses. O próximo passo é a fase de recria, que dura cerca de seis meses, da qual o coral sai apto a voltar para o seu ecossistema, onde voltará a crescer e recompor a paisagem marinha. Hoje, a biofábrica também atua na praia de Tamandaré, em Pernambuco, e  Maragogi, em Alagoas. Como principal impacto, Rudã destaca a conservação de um ambiente que promova a resiliência do ecossistema marinho e, consequentemente, a manutenção dos seus serviços ecossistêmicos, como os peixes associados aos corais.

“Um ponto importante é que neste momento está ocorrendo uma onda de branqueamento de corais no hemisfério sul. E é importante estarmos atentos a este evento e tentar mitigá-lo, pois muitos destinos no Brasil podem perder algumas particularidades devido ao impacto que os corais podem receber. Vale destacar que este é um dos ecossistemas mais ameaçados pelas mudanças climáticas e que, infelizmente, corre o risco de diminuir drasticamente em vários lugares do mundo”, pontua Fernandes.