Por Ricardo Hida – CEO da Promonde, formado em Administração e pós-graduado em Comunicação

Pouca gente fora do Japão sabe, mas a empresa mais antiga do planeta, ainda em funcionamento, é um hotel de 37 quartos na cidade de Yamanashi: o Nishiyama Onsen Keiunkan.

Fundado no ano de 705, o empreendimento, hoje com tecnologia de ponta, se mantém altamente lucrativo por conta de sua localização – na encosta da montanha de onde brotam as águas termais que o fazem famoso – e um serviço impecável.

De fato, não é a inteligência artificial – especialidade japonesa – que atrai os visitantes: mas as propriedades terapêuticas de sua água e o famoso omotenashi japonês.

Traduzida do japonês, a expressão significa “cuidar de todo o coração”, oferecendo a melhor experiência possível para os convidados em casa, nos restaurantes, nos hotéis, no comércio, parques de diversão e até em eventos. Para os japoneses significa mostrar honra e dignidade, antecipando necessidades e criando uma estada afetiva e memorável.

A maior frustração japonesa dos últimos tempos é que, mesmo depois de muitos anos de preparo, o país não conseguiu mostrar ao mundo sua hospitalidade durante os Jogos Olímpicos de 2020.

A lógica é simples para entender o omotenashi. Quando um indivíduo escolhe deixar seu lar para dormir ou se alimentar em um estabelecimento, o faz confiando sua segurança, integridade física e – no passado – sua própria vida. Estudiosos da Bíblia sabem que a razão maior da destruição de Sodoma e Gomorra foi o desrespeito com que trataram os viajantes – pior ainda anjos – que visitavam Ló. Imagine você, tratar mal representantes do céu em viagem profissional. 

Segundo a Japan House, “embora faça parte do cotidiano dos japoneses, o omotenashi costuma se destacar ainda mais nas experiências culturais tradicionais, como ryokan (pousadas de estilo japonês), kaiseki (banquete japonês) e sado (cerimônia do chá). Este último costume é o que melhor representa o omotenashi. No centro do chakai (reunião do chá), o convidado tem todos os seus gestos e movimentos considerados pelo anfitrião, que prepara o chá com carinho e reverência.”

Mesmo quando falamos da hotelaria de luxo brasileira, é preciso considerar o peso do atendimento. Nossos hotéis, com exceção do Rosewood São Paulo,  não têm como competir em infraestrutura, tecnologia, técnica gastronômica, design e excelência de serviços com os maiores nomes da hotelaria francesa, suíça, estadunidense ou britânica. Mas certamente ganha no quesito charme, simpatia e sensibilidade de seus colaboradores. E é justamente esse borogodó e nossa cultura que fazem o nosso país um destino internacionalmente interessante. As praias do Pacífico e do Caribe estão aí para provar.

Há um certo desespero em todos os segmentos da economia quando se pensa em IA e o futuro dos empregos. Certamente a robótica substituirá muitas pessoas em funções de backoffice e aquelas que exigem precisão. Ao contrário do que se imaginava há pouco tempo, por exemplo, nem mesmo os médicos estarão com seus empregos garantidos. Diagnósticos muito em breve serão feitos sem erro por máquinas a partir da leitura de exames clínicos. Consequentemente, as terapias e até cirurgias, feitas por robôs, apresentarão resultados jamais esperados.

No entanto, quando se fala na indústria da hospitalidade de luxo e dos serviços de alto padrão, a situação é diferente. O uso de robôs e máquinas não é percebido como sofisticado pela exigente clientela. É possível e imprescindível o uso de tecnologia avançada em muitos processos, mas há outros casos em que ela se torna irritante. Basta observar um problema com o banco e o quão desgastante e cafona é falar com robôs. A situação fica ainda mais patética quando as máquinas usam expressões, emitem sons (como aqueles de digitação) para parecerem pessoas reais.

Muita gente não sabe, mas o que torna o luxo tão especial é a artesanalidade e a conexão humana. As chefes dos ateliês de alta costura viajam entre Paris e qualquer lugar do mundo, duas ou até três vezes, para efetuar as provas nos corpos das clientes.

A inteligência artificial irá, para alegria dos acionistas, dominar o turismo, reduzindo custos e otimizando recursos. Mas será preciso uma mudança importante nos valores humanos, que levará gerações, para que ela seja aceita na verdadeira hospitalidade. O próprio nome já diz tudo. Máquinas nunca serão hospitaleiras. Voltando ao omotenashi: não falam com o coração.