Recém empossada ao posto de presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro quer dar continuidade ao legado deixado por Eduardo Sanovicz, que ocupou o cargo por anos até sua posse. Ao invés de apresentarmos a executiva, decidimos deixá-la fazer isso, com suas próprias palavras:

“Eu sou Jurema Monteiro, tenho 49 anos, sou formada em Turismo, com especialização em Comunicação e um mestrado na área de Turismo também. Sou mãe de dois filhos: a Janaína tem 12 anos e o Jorge tem 10 anos. Nasci no interior de São Paulo, mas vim para a capital paulista fazer faculdade e mudei para Brasília (DF) há 18 anos. Trabalhei por um bom tempo no setor de Turismo, na iniciativa privada, principalmente com comercialização em agências e operadoras, onde aprendi muito sobre nosso setor. Fui para Brasília para trabalhar no setor público, o que também foi uma grande escola. Acho que ali consegui entender a dimensão de nosso País e a diversidade necessária para estabelecer políticas públicas. Estou muito feliz por ocupar o cargo de presidente, tanto pelo conhecimento acumulado quanto pela representatividade que isso tem como uma mulher negra de 49 anos e mãe de dois filhos. É algo significativo para mim, mas ainda mais importante é o que isso representa para muitas pessoas que podem ver isso como uma oportunidade. Nesse país e nesse mundo, precisamos dessa diversidade.”

Quais são as prioridades de sua gestão?

Estou há pouco mais de vinte dias à frente deste desafio, bastante feliz com esta oportunidade. Estou na Abear há sete anos e meio e acho que tenho uma grande missão aqui: continuar a excelência do trabalho que o Eduardo (Sanovicz) fez até o momento, manter e dar sequência ao legado que ele deixou, mas também inovar onde for necessário. 

Minha principal missão é dialogar. Dialogar dentro do setor com as nossas empresas, fora com todos os agentes que precisam e interagem com o setor aéreo, com o governo, com a imprensa. Para traduzirmos esse setor que é tão importante para nossa sociedade e avançar em pautas que nos ajudem a retomar um crescimento sustentável.

A Abear acompanhou, nesses onze anos, um momento muito positivo de crescimento do setor aéreo que, desde 2017, vem sofrendo uma série de impactos externos e que foram agravados durante a pandemia. Então, hoje, o nosso principal desafio é dar sequência a uma agenda de redução de custos que nos permita retomar condições que a gente já viveu no País para que possamos voltar a crescer sustentavelmente.

Quais são essas agendas? Discutir, por exemplo, a Reforma Tributária ou as questões tributárias que envolvem o nosso segmento. Esperamos, com isso, estabelecer um ambiente de retomada e permitir que as empresas possam oferecer mais voos. Entre outras agendas ligadas à redução de custo, há o excesso de judicialização no País, as questões relacionadas ao combustível, já que 60% dos nossos custos são vinculados ao dólar, e 40% dos custos estão vinculados ao combustível. Então essa é uma agenda bastante sensível e importante para nós.

Sempre se diz que é difícil diminuir o custo das passagens por conta dessas questões do câmbio e do combustível. O que pode ser feito e como vocês estão trabalhando para melhorar para o consumidor final? 

A alta nos preços das passagens não está diferente do que tá acontecendo com o resto do nosso custo de vida. Acho que é importante entendermos isso. O mundo inteiro nesse pós-pandemia está vivendo um momento de hiperinflação, então não é só no Brasil que isso está ocorrendo. Acontece em vários outros países e não é apenas no setor aéreo. Comprar carro está mais caro. Comprar casa está mais caro. Contratar plano de saúde. O dia a dia está mais caro. Se fizermos um comparativo entre o pré-pandemia e agora, pelos dados que a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) disponibiliza, temos de fato um aumento acumulado nesses anos na tarifa média na casa dos 26%. Nesse mesmo período, o combustível, que é o item que mais pesa no nosso custo, subiu 120%. As empresas estão buscando muita eficiência para realmente não repassar ou repassar o mínimo possível para o bilhete. O que as empresas mais querem? Transportar mais pessoas, democratizar o transporte aéreo. Só conseguimos fazer isso à medida que buscarmos um ambiente de custo mais justo.

Aproveitando o gancho de democratização das passagens, como andam as conversas em relação ao programa Voa Brasil?

Dentro dessa nossa missão de ser uma voz do setor, a Abear sempre está em contato com o governo. Na transição, retomamos esse diálogo para nos reapresentarmos aos novos ministérios. Temos conversado bastante com o Ministério de Portos e Aeroportos, com a Secretaria de Aviação Civil, com o Ministério do Turismo e com a Embratur. No Ministério de Portos e Aeroportos há, nessa atual gestão, a intenção de abrir espaço, democratizar o transporte aéreo, que dialoga muito com o nosso interesse. O ministro Márcio França falou sobre o programa, já nos reunimos e hoje cada empresa trabalha dentro das suas estratégias em avançar para consolidação efetiva deste programa.

Seria realista conseguir oferecer uma passagem por R$200?

Já é. Segundo os dados da Anac, em 2022 tivemos 30% dos bilhetes aéreos comercializados abaixo de R$300. Já existem passagens nessa faixa de preço, o desafio agora é formatar um programa que permita manter isso sem alterar aquelas passagens que já são comercializadas, mas criar a possibilidade de, por meio do programa, trazer mais pessoas de novos perfis, pessoas que não viajavam ainda de avião para também poderem viajar. Então, já temos hoje bilhetes aéreos bastante competitivos e a ideia é fortalecer isso, divulgar ainda mais essa oportunidade. 

Vocês comemoraram a conquista da Medida Provisória 1147/2022, que zera as alíquotas de PIS e COFINS sobre as receitas de transporte regular de passageiros. De que forma ela vai beneficiar o setor?

Nessa agenda em que falamos sobre a importância de retomar um ambiente de custos, essa medida provisória foi muito importante. A celebração ocorreu porque ela isentou e desonerou o setor de um tributo federal por um período até 2026. Isso ajuda as empresas a terem mais previsibilidade e reduz um pouco as despesas. Com isso, as empresas têm mais condições de estruturar seu dia a dia, planejar mais voos e ampliar sua oferta. Essa medida está alinhada com a agenda de redução de custos para melhorar o ambiente das empresas. É importante lembrar que, durante a pandemia, todo o setor sofreu muito no mundo todo. Foi um momento desafiador para todos nós que estávamos vivendo aqueles anos. No entanto, o setor aéreo foi um dos mais impactados. Em outros países, como Estados Unidos, França e Alemanha, os governos entenderam a importância da aviação e subsidiaram as empresas. Por exemplo, nos Estados Unidos, o governo americano injetou US$50 bilhões nas empresas aéreas. No Brasil, não tivemos esse tipo de medida. O governo entendeu a importância do setor e trabalhou algumas questões importantes naquele momento, como regras de flexibilização de reembolso e cancelamento, o que foi muito bom e ajudou as empresas a controlar melhor o seu caixa. No entanto, não houve injeção de dinheiro, então as despesas continuaram. As companhias aéreas estavam pagando folha de funcionários e leasing de aeronaves, mas não havia recursos em caixa para sustentar tudo isso. Portanto, essa nova medida não compensa ou resolve o que aconteceu naquele período, mas de certa forma equilibra melhor o caixa e ajuda as empresas a terem um cenário mais previsível daqui para frente.

Recentemente houve uma melhora de 12,4% nas soluções relacionadas a reclamações de passagens. De que forma você acredita que as companhias aéreas possam melhorar ainda mais esses números?

Na pandemia, de repente, as empresas tiveram um boom de pedidos. As centrais de atendimento tinham capacidade para processar todas essas alterações e cancelamentos. Então, houve um aumento no número de reclamações, mas as empresas rapidamente responderam reorganizando seus times para chegar a esse indicador de melhoria na solução. Em uma operação tão intensiva como a do setor aéreo, há mais de 2 mil decolagens por dia, aviões com cento e oitenta lugares ou até mais. Então, vão existir situações. O que a gente precisa é saber resolver essas situações de maneira dialogada com o passageiro, pacificando os conflitos. Um bom exemplo recente é que assinamos em São Paulo um acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo para criar uma câmara de mediação de conflitos. As empresas têm feito muitos esforços nesse sentido, estimulando o uso de sistemas alternativos à justiça para dialogar com o usuário em casos de conflito e, quando eles são judicializados, criar instâncias de mediação também, de modo que a gente encurte o tempo de solução desses problemas.

Por que a Abear é contra a volta da exigência dos vistos para turistas dos Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália?

Essa medida é uma decisão do Estado. Ele tomou a decisão durante as Olimpíadas de fazer uma isenção temporária, que foi bem avaliada ao ponto de, em 2019, ter sido retomada em caráter definitivo. Entendemos que voltar a mudar essa regra é dar um passo para trás, porque burocratiza e dificulta o sistema, um processo que deveria ser mais simples. Hoje, concorremos como destino turístico com muitas outras localidades que não têm essa exigência. Entendemos os argumentos do governo como a necessidade de estabelecer regras de reciprocidade. No entanto, hoje a diplomacia já avançou tanto que talvez a gente conseguisse encontrar outros mecanismos para garantir a reciprocidade, mas simplificar o processo de viagem. Imagine: uma família com crianças no interior dos Estados Unidos que tem que tomar uma decisão de uma viagem de férias para a praia. O Brasil está no cardápio, mas existem outros países no mundo inteiro com facilidades de conexão, de idioma e de acesso que se promovem muito bem e que, por vezes, não têm essa exigência. Então, estamos criando uma barreira onde deveríamos ter uma facilidade.