É bastante comum a discussão e a implementação de medidas e ações públicas e privadas para estimular o Turismo no Brasil, que sempre esteve aquém de seu potencial. Nesse contexto, é até difícil pensar que alguns locais estão fazendo justamente o contrário. É o que acontece com Amsterdã, Veneza, Barcelona e outros destinos, onde o turismo excessivo acabou se tornando um problema para a população local e o meio ambiente.

O termo Turismo Predatório (também chamado de overtourism) é bastante conhecido, visto que é comum encontrar e criticar o excesso de resíduos deixados em praias, parques e outros destinos naturais. Também é parte central da discussão a pegada de carbono deixada pelos viajantes, como a emissão de poluentes por aviões e cruzeiros, entre outras consequências ambientais. Segundo dados do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), o setor é responsável por 8,1% de todas as emissões de gases de efeito estufa do mundo.

Entretanto, o termo não designa apenas práticas que afetam o meio ambiente, mas também a estabilidade cultural dos locais. Destinos mais famosos costumam acumular tantos visitantes que surgem outros problemas, como transtornos na vida e na rotina de moradores locais, aumento no custo de moradia, desrespeito ou até mesmo vandalismo em monumentos históricos milenares – como o recente caso do turista que talhou seu nome nas paredes do Coliseu de Roma.

Em função disso, muitos destinos decidiram tomar medidas a respeito, em especial no continente europeu, cujas atividades turísticas já respondem por 4% do PIB, ou 10% se considerar sua relação com outros setores da economia, segundo o Parlamento Europeu. Ambos os percentuais estão aumentando e, em alguns dos principais destinos, o número de turistas dobrou desde o começo do século.

É o caso de Veneza, que hoje tem tantos leitos para visitantes quanto para habitantes: cerca de 49 mil, sendo que a cidade italiana contava com o triplo de residentes na década de 1950. Para combater o turismo predatório, o destino italiano chegou a tomar a decisão de cobrar taxas de turistas e até restringir a chegada de cruzeiros, dado que os navios impactam o meio ambiente e trazem visitantes que gastam pouco e não pernoitam. 

Nesse sentido, muitas autoridades turísticas falam de incentivar a vinda de “turistas de qualidade”. Embora possa ser interpretado como um eufemismo para visitantes ricos e que gastam muito, a definição também abrange turistas que buscam conhecer os diversos atrativos turísticos e a cultura local de forma respeitosa. Dessa forma, é fácil identificar aqueles que não se enquadram, como os turistas de cruzeiros e de despedidas de solteiro.

Amsterdã, por exemplo, carrega a imagem de um destino para “feriados morais”, como definiu um vereador da cidade, o que incentiva visitantes a fazerem o que não fazem em seus países de origem. Por conta disso, a cidade neerlandesa tem liderado a implementação de medidas e campanhas para reconstruir sua reputação. Além de proibir cruzeiros, o destino também impôs restrições aos cafés e bordéis, proibiu o consumo de maconha no centro da cidade e visa converter alguns hotéis em escritórios e residências.

Mais que isso, o município agora conta com apoio do governo dos Países Baixos para reduzir o fluxo turístico. Entre as medidas deste, está a mudança do logo de promoção internacional para um mais sóbrio, a redução no número de voos do aeroporto da cidade e até a criação de uma campanha publicitária contrária à vinda de certos visitantes. 

Antes e depois da mudança do logo de promoção turística dos Países Baixos. Foto: Divulgação

A iniciativa “Stay Away” (fiquem longe) do governo neerlandês é sem precedentes na história do Turismo. Direcionada a jovens britânicos, a ação fez com que pesquisas desse público-alvo no Google, relacionadas a despedidas de solteiro em Amsterdã, mostrassem um vídeo de um homem bêbado sendo preso, acompanhado da seguinte frase: “Vindo para Amsterdã para uma noite de bagunça? Fique longe”.

No caso de destinos como Barcelona, que recebem quase dez vezes o número de habitantes de turistas anuais, a falta de taxas e medidas como as citadas trouxe diversas mazelas para a cidade espanhola. Entre elas, o acelerado aumento da poluição, liquidação de setores desvinculados ao Turismo, aumento do custo de vida, grandes congestionamentos e até a conversão de espaços públicos em hotéis, resorts e outros serviços turísticos.

Buscando mitigar esses efeitos negativos, o governo de Barcelona adotou uma série de medidas para reduzir o fluxo de habitantes, com foco nas acomodações. Foram criados novos termos e regulamentos para aluguéis privados, diminuindo o número de aluguéis de curto prazo para evitar que ficassem disponíveis para turistas. O fornecimento de licenças governamentais para acomodações também foi suspenso, interrompendo o crescimento da capacidade turística da cidade.

Vale dizer que esses destinos costumam acumular turistas apenas em regiões centrais das cidades, como é o caso de Paris. Em virtude disso, há a tendência de “dispersão” dos visitantes, por meio de restrições a alojamentos no centro da cidade. Os resultados, porém, podem não corresponder à teoria, visto que a maioria dos visitantes deseja visitar as principais atrações turísticas, independente de onde se hospedam. No fim das contas, a medida pode até agravar o problema.