Sou cachorreiro desde sempre. Fui tutor do Fred, um dachshund bravo. Do Johnny, um golden retriever que foi até modelo da Vogue. Da Nina, uma labradora que parece gente. E do Chico, o famoso caramelo do Brasil, que com seu carisma encanta os diversos gringos que vem jantar em casa. Chico não faz pose. Não tem pedigree. Um dia apareceu lá na chácara com um olhar faminto e assustado. Em poucos minutos já fazia parte da família.  Ele tem o borogodó. Nunca quis ser labrador, dálmata ou fila. Vive sua identidade, feliz.

A hotelaria de luxo no Brasil, por sua vez, de modo geral, não se reconhece e tampouco convive bem com a terra onde está implantada, com os ingredientes que estão no seu pomar e com sua gente. É bem verdade que aqui ou acolá tem gente que ama e valoriza seu ziriguidum. Mas são poucos os bem resolvidos. É aquela coisa de achar que a Chica da Silva precisava usar peruca branca e moda de Maria Antonieta para ser respeitada. Ou que o Juruna precisava andar de terno cinza no Congresso para ter voz. Todo mundo quer ser a releitura do que se faz em Nova York, Paris, Milão e até Dubai. Não culpo os hoteleiros. Temos, de fato, um problema identitário. Até porque do Amazonas até o Rio Grande do Sul, temos expressões linguísticas, estéticas, culturais bem diferentes umas das outras. Muita gente tentou, mas não conseguiu ainda achar a alma brasileira que possa ser reconhecida de forma unânime.

A marca Fasano faz sucesso, aqui e lá fora. Mas convenhamos, é o DNA milanês de Rogério. Assim, Fasano não é cosa nostra. É um Loro Piana, um Brunello Cucinelli que passa férias no Brasil. Chique, mas não brazuca. Talvez Alexandre Allard, com seu Rosewood no Cidade Matarazzo, traduza parte da identidade de luxo brasileira. Parte, porque não dá pra colocar o hotel e serviços na íntegra em Fortaleza, Manaus, Cuiabá. Nem mesmo no Rio.

E olha que não se trata de localização geográfica. Praia, montanha, casinha de sapé. A hotelaria francesa de Saint Tropez, Paris, Biarritz e Courchevel tem a mesma identidade. Não importa se na praia, na montanha ou no deserto. E é aí que faço uma provocação. A hotelaria de luxo de Saint Barth, território francês, destino exclusivo que os brasileiros amam,  por sua vez, não é francesa. É de Saint Barth. Estive lá recentemente com jornalistas. E percebemos que a ilha não é Caribe, França,  Estados Unidos. É Saint Barth. E ninguém consegue decodificar com precisão que estilo é esse. Embora seja único e facilmente identificável. É o que a França, o Caribe e os Estados Unidos têm de melhor, chutando para bem longe o que eles têm de pior.

E talvez, me arrisco a dizer, muito próxima do que deveria ser a hotelaria de luxo brasileira. Talvez essa seja a razão do destino ter tantos habitués tupiniquins. E tupiniquim aqui é elogio, orgulho de raiz. De Luciano Huck a Marina Rui Barbosa, passando por João Dória e Daniela Ciccareli. O casal Nizan Guanaes e Donata Meirelles, que entendem tudo de luxo e Brasil, são embaixadores de Saint Barth.

Os beach clubs, em especial o Gip Sea, os hotéis e villas trazem alegria, jovialidade, bom gosto de forma despretensiosa. Há luz e musicalidade. Um hedonismo sem culpa. Nada a ver com Ibiza, Mykonos, Maldivas, Trancoso ou Riviera Maia. Talvez Caetano tenha se enganado, porque não existe pecado nem ao sul nem ao norte do Equador.  A ilha deveria ser benchmarking para profissionais de turismo e hotelaria do Brasil. Esqueça candelabros de prata, toalhas de linho engomadas e  tecidos adamascados, aveludados e dourados. Tudo isso funciona no Alvear, em Buenos Aires, mas não em 90% do nosso território. Há bom gosto, sim, no sisal, no algodão, na bromélia, no sol e no mar. No churrasco e na sunga. É claro que não estamos falando de churrasco na laje com sunga branca. Lá, bolsa de palha de praia é item obrigatório. Terno? Nem pensar.  Lá se tropeça em Paul McCartney na piscina. Cruza-se com Abramovici na esquina. Toma-se rum no boteco com Bono e fica-se na fila de espera do restaurante com Madonna. E ninguém incomoda ninguém. Ninguém esnoba ninguém. É igual ao meu Chico caramelo que pula e brinca com os outros pets, de nobre estirpe, sem complexo. Vira lata? Com orgulho. Meu próximo caramelo se chamará Barts. Certeza.