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Viagens de saberes

Comecei a trabalhar com relações públicas nos anos de 1990. Uma época tão distante em que jornalistas recebiam os releases por office boys – que não eram motorizados, em envelopes com slides de fotos; follow ups com as redações eram feitos com telefones fixos e eventos corporativos eram em número infinitamente menor que os que existem hoje.  Geralmente em coquetéis bem sem graça, beirando a cafonice.

Pouca gente entendia de vinho e a garrafa azul dominava a cena corporativa. A Air France com o seu desejado e festejado prêmio Molière praticava sem saber o que hoje é chamado de marketing cultural e ativação de marca. O Phytoervas Fashion era o bisavô do Branded Content. Gestão de crise era muito mais fácil de ser resolvida, afinal ninguém tinha câmera no bolso para flagras e a difusão de notícias estava na mão de poucas famílias, no Brasil e no exterior. Tudo isso era melhor? Claro que não. Infinitamente pior, afirmo sem medo.

Afinal, hoje o poder está pulverizado, muito mais bem distribuído. Empresas precisam ser o que pregam e não apenas parecer aquilo que divulgam. Transparência se tornou essencial. Ainda que a imbecilidade e a mediocridade tenham ganhado um espaço jamais merecido, muita gente boa encontrou espaço que não teria no passado.

Por essas razões – transparência e briga por audiência – as empresas precisaram recorrer a novas estratégias para conquistar o apreço dos consumidores. Mostrar publicamente o compromisso com a sustentabilidade, a qualidade e o comércio justo se tornaram essenciais. E aquilo que nos anos 1990 era chamado de open house, ganhou novo formato. As empresas abriram seus QGs para quem quisesse visitar. Daí que muita gente se inspirou nos escritórios do vale do Silício para derrubar paredes, instalar bolas de Pilates e fliperamas nas empresas e deixar claro que não havia nenhuma criança nas fábricas e muito menos imigrantes ilegais em condições análogas à escravidão no quadro de colaboradores.

Nessas décadas o turismo também mudou. E o tal do turismo de experiência, muito mais do que o turismo contemplativo, ganhou preferência dos novos viajantes. No Brasil, em que o turista carrega nas bagagens o bicho-carpinteiro, e não fica mais que cinco segundos diante de um quadro de museu, ele fez muito mais sentido.

No segmento de luxo, mudanças foram ainda mais drásticas. Avessas a sites nos anos 2000, as grandes grifes ampliaram as vendas online com números expressivos. Trouxeram como seus embaixadores de marca nomes do rap, do futebol e se aproximaram de uma estética muito mais jovem e até então marginalizada. Nesse sentido, resolveram também abrir suas portas para visitas, o que antes era uma heresia. Primeiramente os grandes produtores de vinhos franceses, seguidos por outras nacionalidades. Depois os franceses, sempre eles, resolveram abrir as fábricas de perfumes em Paris e Provence para que clientes pudessem fazer sua própria essência. Algumas marcas como Louis Vuitton escancararam as portas de seus ateliês para influenciadores e grandes clientes pudessem observar como malas e bolsas são feitas. Em Paris, a Chanel criou um espaço para valorizar os métiers (ofícios) da alta costura, aberto para visitação em alguns momentos do ano.

Esse movimento ser estruturou e é chamado hoje de turismo de savoir faire. Tal expressão surgiu com Madame de Sevigné no século XVII e ganhou força na obra de Marcel Proust. Savoir faire é um conhecimento ancestral, é o tal do saber fazer com excelência. Os americanos deram outra roupagem e ficou conhecido como know-how. 

O turismo de savoir faire é aquele em que os viajantes vão aprender algo. Vão conhecer o processo de criação e produção de um produto.  A associação Entreprise & Découverte esteve na última edição do France Excellence 2022, organizado pela Atout France, no hotel Rosewood São Paulo, para apresentar seus roteiros.  Eles abrem as portas de grandes maisons francesas para os viajantes. E aprende-se desde o processo de fabricação do champagne até produção de porcelana de Limoges.

É claro que tal atividade não é nova. Inclusive no turismo rural brasileiro. A grande diferença é a estruturação dos processos e da comercialização. Com vistas não somente a profissionais de um segmento mas para o público em geral. O turismo de savoir faire é certamente a aposta do segmento de viagens de alto padrão. Afinal como não passar uma tarde em Champagne aprendendo sobre a bebida e degustando os melhores rótulos de uma casa como Moët&Chandon? Como visitar a Provence e não aprender a fazer um perfume único para você? 

Carmen Mayrink Veiga ficou conhecida por ser a brasileira mais festeira no jet set internacional e por ser uma das mais importantes consumidoras da alta costura francesa. Mas ela sempre se orgulhava de conhecer a fundo arte, decoração, tapeçaria. Tudo aprendido na Europa.  Em uma época que não se imaginava marcas tradicionais abrindo suas portas para turistas. Mas o mundo mudou. Savoir faire é saber fazer, acompanhando o espírito de um tempo. As pessoas buscam hoje conhecimento, o saber. E cabe a nós, profissionais do turismo, saber oferecer uma viagem que traga experiências e conteúdo de valor.


Leia também: Storytelling: o que Gucci tem a nos ensinar

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